Os romanos tinham uma tendência a xingar nomeando as diversas partes do corpo e seus usos, tanto convencionais como incomuns (refiro-me aos usos, não às partes, rsrs). Grafitos romanos em muros de Pompeia e Herculano estão cheios de piadinhas obscenas e os historiadores acreditam que a antiga Roma não apenas era fétida e imunda, mas também coberta de obscenidades de todo tipo.
Um dos maiores temas da profanidade romana era o deus Priapo, que governava a fertilidade dos animais (e também, segundo as más línguas, das pessoas de temperamento animalesco).
Acredito ser desnecessário explicar de que maneira Priapo entrava no assunto… Mas esse no caso era Mercúrio, cujo instrumento, além de desconfortavelmente grande para ser útil, ainda era prejudicado pela fama do deus dos mensageiros… Que tinha até asas nos pés para ser mais rápido… Digamos que os romanos (e as romanas) frequentemente diziam que certos homens eram devotos de Mercúrio sem querer dizer que eram carteiros…
O verdadeiro Priapo é esse aqui:
Um famoso epigrama de Juvenal lhe atribuía o dito segundo o qual "para mim nenhuma mulher é larga". Na figura, Priapo pesa seu amigo contra uma libra de farinha contida em um saco de pano… Isso quer dizer que Priapo ostentava uma ferramenta de aproximadamente 454 g (peso da libra romana, se não me falha a memória), o que certamente dará um sentido estranho ao xingamento "meio-quilo" que você já deve ter visto alguém usar (se vive no Brasil, não em Roma).
Entre os palavrões latinos, os que mais me agradam são aqueles que se mantiveram em uso com mais ou menos o mesmo significado através dos milênios.
Comecemos pelo antigo hábito de produzir vento, a que os romanos chamavam de pedo. O lugar por onde tal vento vem ao mundo era por eles chamado de culus, uma palavra que em muitas línguas latinas se enobreceu (notadamente em francês, onde expressões como cul-de-sac não são obscenas), mas que nós, lusófonos, fielmente guardamos em seu sentido original… O risco envolvido em pedare é acidentalmente cacare. Aí sim você terá de dizer fecit merda!
Se você sabe falar (e xingar) em espanhol, imaginará que parte da mulher se chama cunnus, mas eu não consigo entender qual a conexão de mentula com a hortelã, afinal, como diz o vulgo, "é de uva", não de menta. Talvez a etimologia da palavra esteja relacionada a mens, "mente", o que, se verdadeiro, sugere que os romanos, tal como nós, também achavam que, às vezes, o homem tem uma segunda cabeça, dotada de uma vontade própria… Ainda se você sabe falar (e xingar) na língua de Borges (mas também na do Chapolin), imaginará que verpa é um sinônimo porque com um "g" no lugar do "p" esta palavra ainda enfeita os cadernos dos alunos de quinta série por toda a Hispano-América…
A outra função mais corriqueira da mentula era meiere. Para muitos infelizes, é a única…
Um palavrão bastante erudito (apesar de hoje ser mais usado pelo povo) é coleos, que é o antepassado exatamente disso em que você está pensado. Lembre-se de que a terminação longa em "o" frequentemente se transforma em ditongo nasal na transição para o português…
Entre os mal-entendidos, o mais comum se refere ao verbo fodere, que não significa o que você está pensando. Adeamus ad montem fodere seminae porris é apenas um convite para ir à montanha plantar sementes de alho porro (ajuda-me Aender dos Santos, se disse besteiras). Mas havia realmente um verbo muito parecido: futuere, que nada tem a ver com o futuro, a não ser que você creia que no futuro seremos todos prejudicados… A questão aqui é que futuere me parece um termo muito agressivo, pois é cognato de "confundir" e também de "infundir". Da próxima vez que você se confundir, tome cuidado para ser com uma pessoa interessante…
Alguns palavrões chegaram inteiros à modernidade, como fellatio, que, embora esquecido em português (a palavra, não o costume), encontrou uma nova fama graças aos puritanos ingleses:
Inacreditavelmente, a língua latina tinha um verbo lambere, que era utilizado nesse contexto, o que só torna tudo mais… esperado.
Entre os hábitos romanos que não foram abandonados, masturbare certamente se encontra: masturbabantur Phrygii post ostia servi, Hectoreo quotiens sederat uxor equo.
Entre as ocupações humanas, reputa-se proverbialmente que a de meretrix seja a mais antiga de todas. Consequentmente, haverá filhos destas… Em quem não devemos mais confiar, melhor confiar nelas próprias…
Se os lobos (lupii) vivem em alcateias, as lobas (lupae) vivem nos lupanares, à espera dos que apenas proverbialmente "vivem lá". E se você acha novidade os anúncios de "escort girls", ou imagina que essa é uma instituição inglesa, datam da velha Roma os primeiros registros de moças que se dispunham a pousar no ombro de ricaços (e ocasionalmente em outras partes) como papagaios nos ombros de piratas. Essas mulheres eram chamadas de scorteus, um termo bastante agressivo, porque se refere a um pedaço de carne cortada no açougue… Nem sempre os romanos eram poéticos… Afinal, estamos falando de profanidade, não de dodecassílabos com cesura.
O mais famoso dos xingamentos latinos, porém, não é atestado em latim. Acredita-se que puta seria uma metáfora envolvendo os verbos putrere (apodrecer) e uma palavra infantil para "menina" (putta). Ou seja, se essa teoria está correta, as adoráveis mães de tanta gente que todos conhecemos seriam apenas "meninas apodrecidas"…
Finalmente há uma categoria de palavras que são latinas e que hoje usamos como palavrões, mas que não eram palavrões na antiga Roma ou que eram termos médicos ou religiosos até. Entre essas os casos mais famosos são vulva ("capa"), penis ("cauda") e anus. Pensando bem, esse significava isso mesmo. Só não confunda com annus, e agora você entendeu porque foi má ideia suprimir as lettras dobradas da antiga orthographia. Agora você não sabe se os Annais são Anais ou Anuais…
Pouca gente sabe, porque pouca gente o conhece, mas clitoris é uma palavra grega (e muito bela) que significava apenas "chave".
Nenhum comentário:
Postar um comentário