domingo, 20 de junho de 2021

Termopilas.

 

A caminho da batalha, será que todos os 300 Espartanos sabiam que iam morrer?

Enquanto todas as outras respostas contém elementos verdadeiros, elas deixam de lado aspectos importantes da batalha em Termópilas.

Sim, um oráculo previu que um rei Espartano teria que morrer ou a cidade seria destruída e Leônidas muito provavelmente aceitou que seria o cordeiro sacrificial, mas isso não significa que ele sabia que iria morrer em Termópilas.

Sim, os Espartanos, juntamente de seus aliados Periecos, Peloponesos, Tebanos e Téspios, estavam enfrentando possibilidades assustadoras. No entanto, isso não é o mesmo que afirmar que todos os 300 esperavam morrer. Leônidas comandou uma guarda avançada de forças aliadas cujo objetivo era manter a Passagem nas Termópilas até que recebessem reforços com tropas de contingentes maiores, que incluíam uma convocação completa do exército Espartano, os famosos e numerosos hoplitas atenienses e mais. Isso não era uma missão suicida. Era esperado que a força de quase 6.000 soldados de infantaria pesada fosse suficiente para segurar os Persas por vários dias.

E, sim, Leônidas selecionou como sua guarda pessoal somente homens com filhos vivos. Isso porque era lógico esperar que, dada a situação, a batalha seria difícil de lutar e que haveria algumas casualidades. Já que é impossível saber de antemão quem será morto ou lesionado em uma briga pesada, Leônidas tomou a precaução de levar consigo somente homens com filhos vivos. De novo, isso não é o mesmo que acreditar que todos eles morreriam.

Somente depois que a segunda passagem através das montanhas foi descoberta e as tropas enviadas para segurá-la foram superadas pelos Persas ficou claro que a principal força havia sido cercada. Somente aí, no terceiro dia, ficou claro que a pequena força teria que ser sacrificada para permitir que o restante da tropa se retirasse. Foi nesse momento - não na saída de Esparta - que Leônidas tomou a decisão de que seria seu destino morrer nas Termópilas, e foi nesse momento que sua guarda pessoal soube que morreriam com ele, justamente por serem sua guarda pessoal.

Existe uma evidência anedótica registrada por Plutarco de que Leônidas tentou salvar alguns de seus companheiros pedindo que eles levassem despachos, mas os "homens mais velhos" entenderam o que estava acontecendo e se refusaram. Isso é consistente com um rei disposto a enfrentar seu destino, mas angustiado que sua decisão arrastaria 300 dos melhores espartanos consigo.

Sobre os Espartanos terem uma cultura de nunca recuar, isso é uma concepção errada muito comum. Esse mito tem suas raízes na ação de Leônidas e a evidência mais importante é o memorial que os próprios Espartanos ergueram nas Termópilas depois que os Persas foram expulsos da Grécia. O famoso monumento tem uma dedicatória que, em tradução livre, diz: "Vá dizer aos Espartanos, estranho que passa, que aqui, em obediência às leis, nós repousamos."

Acima, o monumento moderno nas Termópilas.

O epitáfio antigo é amplamente interpretado como se os 300 Espartanos que morreram nas Termópilas não tiveram a opção de recuar. Alegadamente, esses homens estão enterrados na passagem das Termópilas, tão longe de casa, porque "leis" de Esparta proibiam que soldados recuassem ou se rendessem, independente da situação ou da certeza da morte.

Na verdade, forças espartanas já recuaram e se renderam em várias outras situações ao longo dos séculos (por exemplo, Hysiae e Sphakteria). Os Espartanos não pareciam pensar que havia uma "lei" contra a retirada até em situações menos ameaçadoras do que aquela apresentada para Leônidas nas Termópilas. Vamos acreditar que Leônidas e seus 300 foram os únicos espartanos que viveram e morreram sob as leis de Esparta? Ou poderia haver alguma outra explicação?

A resposta, eu acredito, pode ser encontrada no fato de que, segundo Heródoto, existiram 3 monumentos separados erguidos para homenagear os homens que lutaram nas Termópilas. Primeiro, um monumento coletivo que dizia: Quatro mil aqui vieram da terra de Pélops, contra um milhão uma vez resistiram. Esse claramente se referia aos outros aliados Peloponesos que lutaram ao lado dos Espartanos nas Termópilas nos dois primeiros dias. (Os Téspios aparentemente ergueram seu monumentos em casa ou um monumento separado dedicado a eles talvez já tivesse desaparecido na época em que Heródoto visitou o local da batalha.)

Em segundo, um "leão de pedra em memória de Leônidas".

(Não, infelizmente, essa não é uma foto do monumento erguido para Leônidas, que está perdido, mas possivelmente inspirado nas descrições dele. É o Leão de Lucerna, homenageando a perda da Guarda Suíça.)

Em resumo, existiam dois monumentos espartanos: um para Leônidas e outro para os Esparciatas. Se nós separarmos os dois, então veremos o cintilar de uma resposta porque sugestiona que a "lei" que os 300 obedeceram talvez não se aplicasse a Leônidas.

Leônidas tinha uma opção. Leônidas poderia ter decidido por ser retirar da Passagem assim que ela se tornou indefensável. Leônidas não teria quebrado nenhuma "lei" se o tivesse feito porque não existia lei alguma que exigisse aos Espartanos que lutassem até a morte ao invés de recuar ou se render.

Mas havia sim uma lei que requiria obediência completa ao rei de Esparta quando estivessem além das fronteiras da Lacedemônia sob comando do exército Espartano. Essa lei é documentada e era amplamente respeitada. Os reis de Esparta poderiam ser acusados, julgados e exilados assim que estivessem em casa, mas não durante guerra e em campanha no exterior. Enquanto estivessem comandando o exército em uma engajada militar fora da Lacedemônia, suas tropas eram obrigadas a obedece-los, e a maior parte o fazia.

(A foto acima é de uma escultura encontrada em Esparta datada do início do século V a.C. Ainda que espontaneamente chamada de "Leônidas" pelos trabalhadores gregos no sítio, o busto não possui o elmo com a crista em cruz, como é tradicional dos reis Espartanos, e, por isso, provavelmente retrata apenas um simples hoplita espartano da época.)

O que isso significa é que assim que Leônidas decidiu por ficar e morrer - já que ele sem dúvida acreditava ser esse o seu destino, baseado no oráculo de Delfos -, sua guarda pessoal não teve opção além de ficar e morrer com ele.

O erguer de dois monumentos separados e o epitáfio fazem sentido quando inseridos nesse contexto. Leônidas era o leão, que decidiu cair lutando teimosamente ao invés de viver para lutar outro dia. Depois de tomar a corajosa decisão, entretanto, sua guarda pessoal não teve escolha e, por isso, estão enterrado em território estrangeiro não como heróis, mas simplesmente "em obediência às leis".

Leônidas, incluindo sua resistência nas Termópilas, é o personagem do meu romance biográfico, dividido em três partes. Você pode saber mais aqui: https://www.spartareconsidered.com/novels.html

No que diz respeito à lenda de que as mães espartanas enviavam seus filhos para a guerra com a advertência "com ele (seu escudo) ou sobre ele", há boas evidências para questionar sua veracidade.

Vamos começar olhando as fontes. Plutarco cita nada menos que dezessete "histórias" que ele atribuí às "mulheres espartanas", todos os quais aparentam corroborar atitudes difundidas pelas matriarcas espartanas que dão suporte ao sentimento laconicamente expresso do "com ele ou sobre ele". Em não menos do que três deles, mães extremamente patriotas matam, com suas próprias mãos, filhos covardes que falharam em alcançar seus ideais. Em outros, as mães xingam seus filhos - por exemplo, sugerindo que eles rastejem de volta ao útero ou comemoram a morte de filhos quando a batalha havia sido ganha.

Tirando o fato de que, sem dúvidas, muitos desses casos são simplesmente versões diferentes que derivam da mesma fonte original, quase todos são anônimos. Somado a isso, nesses casos faltam qualquer tipo de detalhe que os permitiria ser datado ou colocado em um contexto. Todos são vagos e genéricos, como se fossem apócrifos ou ficções ruins.

Mas essas histórias não são plausíveis por dois motivos concretos. Primeiro, dado o fato de que Esparta lutava a maior parte de suas batalhas longe de casa, um pode imaginar como os filhos dessas mães patriotas conseguiriam não só escapar da linha espartana e fugir da batalha, como também escapar da raiva de seus camaradas e da disciplina de seus oficiais. Presumimos que o exército espartano tinha pouquíssima tolerância com covardes, então os tais filhos teriam que escapar do exército e esgueirar-se todo o caminho de volta até a Lacedemônia para buscar ajuda das mães. Ainda, outras fontes nos dizem que seriam tratados como "medrosos" e sofreriam sanções cívicas. Isso nos deixa com a questão de porquê qualquer espartano que havia falhado com seu dever arriscaria ser visto em Esparta - e o que eles esperariam obter de suas mães?

Segundo, e ainda mais revelador, é o simples fato de que os espartanos eram enterrados perto do campo onde foram mortos. Isso significa que a segunda metade do famoso ditado "com ele ou sobre ele" não tem sentido algum. Os mortos de batalha de Esparta não eram trazidos de volta para casa em cima de seus escudos em nenhuma circunstância, e nenhuma mãe espartana não conheceria esse costume. Ponto final.

Voltando ao problema da autenticidade, vamos refletir mais precisamente no conteúdo dessas histórias. No melhor dos casos, essas situações retratar um ideal bélico de "fazer ou morrer" sendo reforçado e compartilhado até pelo único elemento da sociedade que seria perdoado por não o apoiar: as mães dos soldados.

Ainda assim, as histórias de Plutarco vão mais fundo. Elas retratam mulheres que são tão patriotas que elas regojizam com a morte de seus filhos e dizem aos filhos sobreviventes que devem seguir o exemplo de seus irmãos mortos. Pior, em três casos, as mães são tão fanáticas a ponto de matar com as próprias mãos seus filhos. Existe algo apelativo, atrativo ou admirável nessas criaturas?

A resposta é não - e eu acredito que esse tenha sido exatamente o objetivo dessas casos. Eu acredito que essas histórias não se originaram em Esparta, na verdade. Elas era propagando de guerra contra Esparta, com a intenção de desumanizar as mulher espartanas - e, de propósito, realçar como vários soldados espartanos eram covardes.

Foto de perfil de Marco Antonio Costa

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