domingo, 20 de junho de 2021

Manipulae x Falange.

 

Como os romanos venceram as falanges gregas?

[Inspirado numa resposta de Eric Lowe, ativo no Quora em inglês, sobre uma pergunta semelhante]

Primeiramente, um breve esclarecimento sobre as forças e fraquezas relativas da legião e da falange

A falange é uma formação de infantaria pesada que utiliza a sarissa, uma lança muito longa, podendo chegar a 7 metros de comprimento, para formar o que pode ser melhor descrito como um porco-espinho gigante. Os falangistas preferiam lutar em formação cerrada e em grande profundidade, ou seja, os homens da linha de frente lutavam ombro a ombro e atrás de cada um deles podia haver algo entre 7 e 15 pessoas. Essa formação dava um peso enorme a qualquer ataque ou defesa frontal e nenhum inimigo com armas de menor alcance podia sequer chegar perto, sem mencionar que arqueiros não eram tão efetivos contra eles como pode parecer, tendo em vista que os falangistas levavam escudos pendurados no pescoço para protegerem-se de projéteis.

Por outro lado, qualquer acidente do terreno podia desorganizar completamente a formação, reduzindo em muito sua efetividade, e só tropas muito bem disciplinadas (como os falangistas de Alexandre, o Grande) podiam executar alguma manobra no campo de batalha sem perder sua organização.

Os legionários, por sua vez, adotavam uma formação muito mais aberta e flexível: fontes contemporâneas afirmam que, em média, haviam dois falangistas na frente de cada legionário em formações de mesmo tamanho, sem mencionar que as fileiras romanas tendiam a ser muito menos profundas que as de uma falange. Além disso, os romanos tendiam a lutar em formações pequenas, chamadas de manipulae, o que tornava bem mais fácil de manterem a organização, mesmo em terrenos difíceis ou durante manobras complexas.

No entanto, a formação menor e mais aberta da legião, bem como o equipamento dos legionários (um grande escudo e uma espada curta, ou gládio, além de duas lanças de arremesso pesadas, as pila), faziam com que fosse suicídio enfrentar uma falange bem organizada pela frente, o problema é que atacar pelos flancos, com uma unidade que se move mais ou menos na mesma velocidade que o inimigo, é muito mais difícil de fazer do que parece.

Ainda assim, sabemos que a legião derrotou a falange. De fato, os romanos não perderam uma única guerra em que o exército inimigo usava falanges, embora tenham perdido diversas batalhas, e isso se deve a três fatores principais:

  1. Não lutando da forma que as falangens queriam lutar;
  2. Valendo-se da flexibilidade da legião em comparação com a falange; e,
  3. Pela pura tenacidade e disciplina romanas.

Do último para o primeiro: os romanos, principalmente no Período Republicano eram renomados por, simplesmente, não admitirem a derrota. Na Segunda Guerra Púnica, por exemplo, eles conquistaram a vitória, mesmo após ter perdido quase 10% de toda a sua população masculina em um único dia (na Batalha de Canas).

Quanto à maior flexibilidade da legião, é interessante a explicação que o historiador Políbio tentou dar à sua audiência (grega) quanto aos repetidos sucessos romanos nas Guerras Romano-Macedônicas. Políbio disse, basicamente, que a falange só é boa em amplos terrenos planos, onde possuem a capacidade de se mover sem muitos problemas e podem detectar manobras de flanqueamento de longe, ao passo que a legião, mesmo muito inferior à falange nesse terreno ideal, poderia lutar igualmente bem em qualquer terreno.

Como é muito mais fácil encontrar terrenos ruins do que terrenos planos (pelo menos na Grécia), os romanos puderam muito bem escolher não lutar, a não ser em terrenos nos quais eles estariam em (relativa) vantagem, bastando atacar as cidades macedônicas e as linhas de suprimento que alimentavam as falanges para forçá-los a atacar, o que se liga ao primeiro ponto.

Um bom exemplo disso ocorreu na segunda dessas guerras, a Batalha de Cinoscéfalos, nomeada pela acidentada e rochosa colina homônima (significando "cabeças de cachorro"), sobre a qual ela foi travada.

Os cinoscéfalos hoje. Ao que parece, eles eram ainda mais acidentados e rochosos na época.

Na verdade, nenhum dos combatentes esperava que ia ocorrer uma batalha ali: após dias de marchas e contramarchas, os macedônicos decidiram, em meio a uma espessa neblina, tomar a colina em questão para que os romanos não pudessem se valer dela. Para sua surpresa, porém, nelas já havia um pequeno contingente de reconhecimento, o qual resolveu atacar os desorganizados falangistas. Aproveitando a oportunidade, Tito Flaminino, o cônsul romano, enviou mais homens para o ataque e eles obtiveram um bom sucesso inicial, mas Filipe, o rei macedônico, também enviou reforços. Surpreendentemente, a vanguarda reforçada conseguiu entrar em formação no terreno acidentado e empurrar os romanos de volta morro abaixo.

Recebendo notícias de que os romanos estavam numa "retirada desordenada" (na verdade, a disciplina romana se mostrou impecável, pois eles conseguiram se manter em formação, mesmo sob um intenso ataque contra o qual eles não tinham como oferecer resposta com seus curtos gládios) Filipe resolveu enviar metade de seu exército para destruir as forças inimigas remanescentes, o que acabou se revelando um erro.

Vendo que a situação não era assim tão boa, Filipe mandou chamar o restante de seu exército, mas estes foram surpreendidos e derrotados a caminho por um contra-ataque combinado de elefantes (sim, dessa vez os romanos os tinham) e infantaria, que então atacaram a outra metade pela retaguarda e venceram a batalha.

Esquema da Batalha de Cinoscéfalos.

Esta batalha foi a exceção que confirma a regra do primeiro fator (os romanos estavam confiantes de que poderiam derrotar a vanguarda macedônica com uma pequena força de reconhecimento e quase conseguiram mesmo, mas a falange, contra todas as espectativas, conseguiu se reorganizar e virar, temporariamente, a maré da batalha), mas demonstar claramente a incidência do terceiro e um pouco também do segundo, pois o ataque final pela retaguarda só ocorreu porque um oficial desconhecido enxergou a oportunidade que se apresentava e liderou dez manipulae contra as linhas macedônicas. Qualquer exército menos flexível não conseguiria aproveitá-la em tempo.

Foto de perfil de Marco Antonio Costa




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