terça-feira, 13 de abril de 2021

Hegel.

 

Qual conceito filosófico é o mais maravilhoso para você?

Considero especialmente maravilhoso o conceito de "dialética do Mestre e do Escravo", apresentado por Hegel em "Fenomenologia do Espírito".

Trata-se de uma pérola de storytelling utilíssima para ilustrar os mais complicados aspectos do Idealismo alemão. Peça de literatura filosófica comparável apenas à Alegoria da Caverna, de Platão.

A seguir, tentarei resumir e contar essa história.

  1. Seres humanos formam relações com o mundo a partir dos dados dos sentidos. A partir daí, começam a perceber as coisas do mundo. Logo desenvolvem entendimentos, conceitos. Até aqui cada ser humano se vê como um objeto no mundo. Talvez como um animal;
  2. Em um dado momento, cada ser humano entende que ele é O sujeito pensante, além de também ser um objeto no mundo. A saída lógica é julgar que assim como há outros objetos, também há outros sujeitos. Ao se tornar consciente de si mesmo, torna-se consciente dos outros;
  3. A saída ética seria entender que os outros sujeitos são seus semelhantes. Mas não é isso que acontece. Ao invés do justo reconhecimento da humanidade do outro, o que rola é o senso de superioridade: "Eu sou mais importante que os outros. Eu sou superior. Eu sou o centro do mundo";
  4. O outro, inferiorizado, é visto como mero objeto sem vida. E obstáculo para a liberdade do sujeito. Por isso precisa ser dominado. Nasce a relação do Mestre (sujeito que domina) e do Escravo (sujeito objetifcado dominado);
  5. O Mestre se vê como gente, como portador de um Eu e centro da realidade. O Escravo se vê forçado ao trabalho externo, como meio de satisfação dos desejos do Mestre. O Mestre deseja. O Escravo trabalha para realizar esses desejos (e só deve desejar satisfazer o Mestre);
  6. Mas algo inesperado acontece. O Mestre não consegue ser feliz, pois seus desejos são infinitos, insaciáveis. O Mestre passa a observar o Escravo e notar que a vida daquele mísero ser inferior é mais simples e proporciona mais satisfação pessoal, por demandar tão pouco. O Mestre passa a sentir um misto de desprezo e inveja pelo Escravo: o odeia, mas ao mesmo tempo fica fascinado por ele;
  7. O Escravo, por sua vez, trabalha forçado apenas externamente. Isso porque internamente ele cultiva uma subjetividade. Diferente do Mestre, o Escravo sonha e é criativo. Entra em contato com Deus e valores transcendentais. O Mestre não consegue realizar nada disso: leva uma vida superficial e vazia, comparada ao Escravo;
  8. O Escravo se liberta do Mestre. Agora é um Ex-Escravo e como tal ele é algo inédito: conhecedor tanto da liberdade quanto da escravidão, sujeito e objeto de si mesmo. Só o Ex-Escravo consegue valorizar a vida ao extremo, como nenhum Mestre consegue. Só o Ex-escravo desenvolve um nível transcendental de consciência da realidade;
  9. Mas o Ex-Escravo agora vive com a consciência pesada. Está infeliz porque dividido, tumultuado entre se tornar um nova forma de Mestre ou voltar a ser Escravo. Precisa se relacionar com o Transcendente para superar isso. Daí surge a figura do Sacerdote, que explora a infelicidade do Ex-Escravo, dizendo que apenas por meio do Sacerdote o Ex-Escravo atingirá a unidade da compreensão e será feliz;
  10. Felizmente, o Sacerdote é superado. Com isso surge a fase racional do Ex-Escravo, quando ele entende a natureza das coisas. É quando tem o insight que ele mesmo pode se relacionar com o mundo e o que existe para além do mundo. Torna-se pela primeira vez na vida um sujeito inteiro, sem divisões. Tornar-se um espírito livre;
  11. Os Ex-escravos, como seres livres e racionais, reconhecem a humanidade uns dos outros. Juntos passam a viver numa sociedade racional e espiritualizada, pois todos se identificam com o Absoluto, que é algo muito além das picuinhas e mesquinharias de antigamente, quando sofriam com as superadas relações de Mestre e Escravo.

O que Hegel conta com essa historinha pode ser visto como enredo literal de dramas históricos. Mas eu prefiro ver como uma alegoria para o que acontece na consciência de cada ser humano que se abre ao entendimento racional e ético da realidade.

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