O equipamento de um centurião era basicamente o das tropas que comandava, mas com algumas pequenas diferenças.
Um encenador histórico vestido de centurião. O penacho de lado em seu elmo era uma das diferenças principais, mas parece ter sido usado mais em desfiles do que em batalha. As medalhas em seu peito são, bem, medalhas: atribuídas por conduta distinta em batalha as phalerae estão entre as precursoras das diversas condecorações com que soldados podem ser premiados nos dias de hoje.
Primeiro, o que é um centurião? Centurião vem do latim para "comandante dos 100" (embora normalmente comandasse qualquer coisa entre 80 e 120 soldados, dependendo do período e do tipo de unidade, sem contar eventuais baixas sofridas) e seria mais ou menos equivalente a um oficial subalterno num exército de hoje.
O centurião que comandasse a primeira centúria de uma coorte, por outro lado (equivalente a um batalhão) efetivamente comandaria a coorte inteira, o que o faria equivalente a um major ou tenente-coronel, e o centurião comandante da primeira centúria da primeira coorte, o chamado primus pilus ("primeira lança [de arremesso]", ou seja, o primeiro soldado da legião) essencialmente comandava a legião, embora ainda subordinado aos tribunos, prefeitos, legados (correspondentes aos oficias generais), fazendo dele um coronel ou talvez um brigadeiro.
De qualquer forma, como um oficial, até hoje, recebe um pagamento superior ao de suas tropas, o centurião poderia muito bem comprar uma armadura melhor, mas o restante do equipamento seria o mesmo. Assim, é necessária uma breve explanação sobre o equipamento da infantaria romana.
O Legionário do Período Republicano (507–27 a.C.)
Começando a partir de meados do Período Republicano (cerca 300 a.C.), os exércitos romanos sofreram uma série de reformas em virtude de sangrentos conflitos contra os samnitas, um povo italiano que vivia numa região bastante acidentada a sudeste de Roma. Supostamente, os romanos teriam adotado o modo de lutar de seus inimigos e passaram, assim, de um exército inspirado no hoplita grego, para um exército que arremessava pesadas lanças, as pila (singular pilum, daí que vinha o primus pilus), antes de engajar o inimigo com espadas curtas e grandes escudos.
Hoplitas gregos. O equipamento de legionários do início do Período Republicano seria muito semelhante.
Após essas reformas, os soldados eram divididos em diversos tipos de unidade, conforme sua renda pessoal, alguns dos quais são mostrados na imagem abaixo: um velite (pl. velites, à frente), vinha da classe mais pobre que ainda era autorizada a servir nas legiões (abaixo deles haviam só os tão miseráveis que não podiam nem comprar algumas lanças de arremesso e os escravos), um hastatus (pl. hastati, à direita), que era um pouco mais abastado e poderia comprar um elmo, um escudo, uma espada curta (gládio) e pelo menos duas lanças de arremesso, além de, com sorte, algumas peças de armadura de bronze para usar no peito e na canela esquerda, e um principe (pl. principes, à esquerda), mais abastado que um hastatus, ele precisaria ter dinheiro para comprar as mesmas coisas e mais uma armadura melhor (uma couraça de bronze ou uma cota de malha, como na imagem).
Um cidadão ainda mais abastado seria um triarius (pl. triarii, não mostrado), equipado como um hoplita, ou um equite (pl. equites, também não mostrado), um cavaleiro com mais ou menos o mesmo equipamento de um triarius. Um centrurião dos triarii seria equipado como tal, enquanto os das demais unidades provavelmente seriam equipados como um principe. Equites não tinham centuriões, pois sua organização era bem diferente. Cada soldado romano desse período, cabe ressaltar, tinha de fornecer seu próprio equipamento e podia ou não receber salário, dependendo do período (quando Roma lutava apenas em conflitos regionais, seus soldados serviam por alguns meses, depois voltavam para suas plantações, foi só bem mais tarde que os legionários se tornaram soldados profissionais pagos, mas antes das Reformas Marianas, que serão tratadas abaixo).
Mais para o fim do Período Republicano (aprox. 107 a.C.), um general e estadista chamado Caio Mário introduziu uma outra série de reformas que, mais uma vez, mudaram completamente a organização e o equipamento dos legionários.
A partir dessas Reformas Marianas, praticamente qualquer cidadão livre (haviam muitos homens livres que não eram cidadãos, a essa altura, mas falo mais sobre eles em outras respostas) poderia ser um legionário e seu equipamento seria fornecido pelo Estado, o qual começou a construir uma série do que poderia ser considerado um predecessor das manufaturas modernas, a fim de produzir de forma barata e em massa a famosa lorica segmentata, armadura com a qual os legionários romanos são melhor lembrados.
Um legionário do século I d.C. com uma lorica segmentata. Ele carrega também um scutum (escudo "torre"), uma pila e um gládio e um pugio (punhal) na cintura (à esquerda e à direita da imagem, respectivamente).
Os centuriões dessa época ou comprariam uma lorica segmentata de melhor qualidade ou, mais provável, uma couraça de bronze (ao contrário do que muitas vezes se pensa, armauduras de ferro não eram melhores do que armaduras de bronzes, mas eram sim bem mais baratas, principalmente aquelas produzidas em massa nas proto-manufaturas romanas, mais sobre isso em Resposta de Kauê Ruviaro Vieira a Por que os romanos não desenvolveram totalmente uma armadura de placas medieval?), mas o restante do equipamento permaneceria o mesmo.
O Legionário Imperial (27 a.C. - 476 d.C.)
No início do Período Imperial, após Otávio Augusto ter derrotado Marco Antônio e Cleópatra e ter introduzido suas reformas imperiais, as Reformas Marianas ainda estavam em vigor, mas essa situação não perduraria para sempre: uma série de problemas sociais, ataques de povos "bárbaros" e diversos outros acontecimentos, modificaram de forma significativa o panorama social e militar do Império a partir do século III d.C.
Os registros históricos são um tanto confusos, mas, a princípio, as legiões começaram a reduzir em tamanho, além de ser integrada por cada vez mais germânicos, celtas e outros "bárbaros" (como auxiliares ou mesmo como legionários) ao invés de romanos. Além disso, a infantaria passou a usar cada vez menos armadura, em parte porque, cada vez mais, precisavam rapidamente se deslocar para alguma rebelião ou ataque em pontos longínquos do império, em parte porque o dinheiro para equipá-los estava cada vez mais curto, ao passo que a cavalaria crescia em importância.
Em outras palavras, a intenção era que o legionário se parecesse com isso…
Legionários do início do século II d.C. O de trás provavelmente é um centurião.
…mas era cada vez mais provável que se parecesse com isso…
Auxiliares celtas do fim do século II d.C. Posteriormente, um número cada vez maior de celtas e outros povos passaria a integrar as legiões como legionários, não só como auxiliares.
…ou isso:
Guerreiros godos (germânicos) do fim da Antiguidade. O terceiro deles a partir da esquerda está com uma plumbata (pl. plumbatae), uma espécie de dardo com um peso de chumbo no meio que gradualmente substituiria as pila, em grande parte por serem mais leves e baratos.
O centurião provavelmente ainda existia nesses tempos sombrios para os romanos, mas seus dias, da mesma forma que os dias do Império, estavam contados.
Faltou mencionar uma coisa sobre o equipamento de um centurião: o vitis, o símbolo de seu ofício.
Essas varas, feitas a partir de um galho de vinhas, não só eram o símbolo de um centurião, mas exerciam uma função muito prática: disciplinar os legionários (quem vem de família italiana provavelmente sabe do que eu estou falando, mas deve conhecer uma versão mais "tamanho infantil" do vitis, por assim dizer), tanto em campanha quanto em treinamento.
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