domingo, 13 de dezembro de 2020

Camus\Suicidio.

 

Qual é a conclusão para o dilema do suicídio de Albert Camus?

Gostaria de começar esta resposta citando o início do livro O Mito de Sísifo, escrito por Albert Camus durante a ocupação alemã da França em 1941:

''Só existe um problema filosófico realmente sério: o suicídio. Julgar se a vida vale ou não vale a pena ser vivida é responder à pergunta fundamental da filosofia. O resto, se o mundo tem três dimensões, se o espírito tem nove ou doze categorias, vem depois. Trata-se de jogos.'' — Camus, O Mito de Sísifo, p. 17

Logo, para Camus, frente ao absurdo, perguntar se a vida vale ou não ser vivida é o principal questionamento que cabe ao indivíduo realizar. Entretanto, para compreender com exatidão tal citação faz-se necessário, antes, compreender o que é, de fato, o absurdo.

Nesse sentido, baseando-se sobre a literatura nietzschiana, Camus escreve que a maioria das pessoas vive sua vida de modo indiferente, isto é, ausentando-se do questionamento de sua própria existência; seguindo um padrão bovino de ''acordar, bonde, quatro horas no escritório ou na fábrica, almoço, bonde, quatro horas de trabalho, jantar, sono e segunda terça quarta quinta sexta e sábado no mesmo ritmo, um percurso que transcorre sem problemas a maior parte do tempo''.

Apesar da institucionalização desse padrão comportamental, é inevitável que, em algum momento, o indivíduo, ao observar o mundo ao redor, passe a questionar o grau de importância que suas atitudes e vida têm sobre o universo. Conforme o pensamento é densificado, este lembra-se, também, da proximidade da morte e, assim, do fim da sua própria existência, de modo que o que foi construído até então inevitavemente será perdido.

Dentro desse contexto, em busca de significado, o indivíduo passa a procurar alguma espécie de ordenação para tal cenário, esperando encontrar algum sentido pré-estabelecido para dar continuidade a sua vida — relações de causa e consequência, por exemplo. Entretanto, ao buscá-lo, o universo lhe entrega apenas silêncio. Longe de uma resposta, é encontrado apenas a indiferença.

Logo, temos um problema grave em nossas mãos. Caso não tenhamos nenhum propósito aqui, caso não há nenhum sentido em nossa vida, por que então deveríamos permanecer? Se, como sabemos, as decisões que tomamos têm pouco impacto sobre as consequências que enfrentamos, já que, por exemplo, o sofrimento é aleatoriamente distribuído, por que continuar tentando?

Nas palavras do filósofo,

''O homem fica face a face com o irracional. Ele sente dentro de si seu anseio por felicidade e por razão. O absurdo nasce desse confronto entre a necessidade humana e o silêncio irracional do mundo.” — Camus, O Mito de Sísifo, p. 42

Surge, então, a possibilidade do suicídio.

Entretanto, para Camus, uma pessoa que comete suicídio em resposta ao absurdo não resolve o problema. Especificamente porque o problema não é necessariamente o fato de você estar vivo, mas sim a disparidade entre sua busca por significado e o que o universo de fato lhe entrega; isto é, a expectativa que temos sobre como nossa vida deveria ser e como, constantemente, essa expectativa é desconstruída. Logo, para resolver tal questão é preciso, de alguma forma, procurar diminuir tal disparidade. Ao cometer suicídio, o indivíduo apenas deixa de lidar com o problema, pois o absurdo permanece.

Metaforicamente, é como se você tivesse um vazamento na tubulação de sua casa e, para resolvê-lo, você mudasse de casa. Apesar de não morar mais lá, o vazamento continua existindo.

Porém, para Camus, o suicídio físico, aquele que geralmente vem em nossas mentes quando pensamos em suicídio, não é a única forma que escolhemos para reprimir o absurdo. Em um cenário similar, podemos cometer o que o autor define como 'suicídio filosófico', ou seja, uma forma de destoar a atenção para um mundo que não existe, mas de alguma forma reduz nossa ansiedade e desespero. Aqui, apesar de fazer um crítica explícita ao cristianismo, Camus reitera que os religiosos não são os únicos culpados pelo suicídio filosófico; aliás, ele diz que, durante o século XX, o protagonismo da fé cedeu espaço para outras ideologias que, tal qual a religião, também oferecem um significado manufaturado para nossa existência —- comunismo, capitalismo, nacionalismo, entre outros. Em todos esses casos, adotam-se tais ideologias de modo integral, um salto no escuro como manifestação de terror diante da indiferença do absurdo.

Retomando a metáfora da tubulação, nesse caso é como se você, após passar por estresse e ansiedade por conta do vazamento, colocasse fones de ouvido, fechasse os olhos e fingisse que as tubulações não existem. Assim como no caso anterior, porém, o vazamento permanece.

Portanto, como Camus escreve, nem o suicídio físico nem o suicídio filosófico são opções viáveis para resolução do problema do absurdo. Para ele, a solução é a revolta.

Para ilustrar, Camus baseia sua explicação sobre o Mito de Sísifo. De acordo com a mitologia grega, Sísifo é um rei que tentou enganar os deuses e, por consequência, foi condenado a passar o resto da eternidade levando uma rocha até o alto de uma montanha, assisti-la descer e carregá-la novamente ao topo; um trabalho exaustivo, e nitidamente, ausente de qualquer sentido.

Aqui, é possível estabelecer uma série de paralelos com nossas vidas. Pense como, por exemplo, você trabalha durante horas e horas para conseguir uma vaga de emprego e, sem explicação alguma, é recusado. Ou, ainda, como mesmo após todos os cuidados com sua saúde, um dia descobre que está com uma doença grave.

Conforme observamos nossa trajetória com um pouco mais de atenção, percebemos que há inúmeras rochas que, assim como Sísifo, carregamos para o alto da montanha e inevitavelmente vemos elas caírem para, assim, começarmos a carregá-las novamente. Nesse sentido, a certeza da morte é, também, uma grande rocha. Afinal, mesmo após todo nosso esforço, um dia morreremos e tudo o que construímos será perdido, esquecido.

Contudo, Sísifo foi apenas condenado a levar a rocha, e não necessariamente odiar o processo.

Assim, Camus nos convida e imaginar Sísifo sorrindo. Apesar de compreender a futilidade de sua ação e, ainda, a indiferença que o absurdo tem sobre sua existência, Sísifo decide amar o processo mesmo assim, atribuindo um sentido onde aparentemente não há nenhum. Logo, este gastaria horas e horas escolhendo a melhor postura para levantar a rocha, examinando o solo, estudando o melhor trajeto. Portanto, fazendo desse processo seu motivo de estar vivo. Nas palavras do filósofo,

''A própria luta para chegar ao cume basta para encher o coração de um homem. É preciso imaginar Sísifo feliz.'' — Camus, O Mito de Sísifo, p. 141

Para Camus, o indivíduo que, ao invés de correr ou fingir que o absurdo não existe, abraça a indiferença do universo é um herói, nas palavras dele, um ''herói do absurdo''. Nesse cenário, a revolta é uma manifestação de enfrentamento, luta e coragem. O homem revoltado sabe que a derrota é certa, porém aprende a saborear cada segundo da partida; é aquele que prefere a felicidade efêmera à ilusão da divindade, dedica uma vida sem posteridade.

Implicitamente, Camus nos sugere atenção ao presente. Logo, aconselha que aprendamos a amar o processo de levar a rocha até à montanha, sem se importar sobre sua queda ou permanência — estimar cada segundo de um relacionamento, aproveitar a comida que gostamos, gastar tempo com nossos animais de estimação, passear no parque.

Para o herói do absurdo, o amanhã não interessa em matéria de felicidade.

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