sábado, 29 de maio de 2021

Idioma Latino na península ibérica.

 

Por que a Península Ibérica é de idioma latino se houve dominação germânica e árabe após a queda do Império Romano do Ocidente?

A resposta precisa ter duas partes, uma sobre a dominação germânica e outra sobre a dominação árabe — elas foram diferentes em praticamente todos os aspectos possíveis e imagináveis.

A dominação germânica durou menos de 300 anos e não foi caracterizada pela continuidade. A primeira onda foi a dos vândalos, a segunda dos suevos e a terceira e mais forte foi a dos visigodos. Os visigodos empurraram os vândalos para o norte da África e "escantearam" os suevos para a região onde mais tarde se desenvolveria o romance galaico-português (esse é um fato importante). Os visigodos também ocuparam o sul da França (Aquitânia, Meio-Dia, Pirineus, Languedoc, Roussillon). Posteriormente os visigodos também conquistaram as terras que tinham sido dominadas pelos suevos.

O que se percebe nessa dinâmica é que houve muita fluidez no domínio territorial.

Outro fator significativo é que a império romano, amplamente civilizado, tinha muita densidade populacional em comparação com as tribos germânicas que o conquistaram. Além disso; suevos, vândalos e visigodos não eram a totalidade da população de seus povos. Ficaram suevos na Alemanha (Suábia), os vândalos foram dizimados pelos suevos e pelos visigodos e os próprios visigodos eram apenas metade dos godos como um todo (havia também os ostrogodos).

A resposta, então, no que diz respeito à dominação germânica, é que ela não foi nem duradoura e nem estável o suficiente para substituir completamente a cultura local — embora tenha, mesmo assim, deixado sua marca nesta.

A dominação muçulmana durou mais tempo, entre os séculos VIII e XV, mas aqui cabe mencionar que ela não durou sete séculos em todas as regiões. Na Andalusia, ao sul, realmente houve sete séculos de dominação, mas nas regiões mais ao norte essa dominação durou poucas décadas e é possível que nunca tenha sido total, que tenha se limitado a algum tipo de vassalagem.

Onde os muçulmanos permaneceram por mais tempo eles certamente deixaram uma marca cultural profunda e é sabido que chegaram a ser maioria em algumas regiões. A questão é: que tipo de maioria eles foram?

Os "muçulmanos" não são um povo. Os invasores muçulmanos na Península Ibérica incluíam árabes, berberes, tuaregues, egípcios, líbios e minorias de outros povos do Oriente. Até mesmo persas e bizantinos podem ter comparecido, em menor número. Esses povos tinham suas línguas e, se bem que todos falavam árabe como língua franca, onde havia populações numerosas eles preservaram suas línguas anteriores. Finalmente, uma parte significativa da "maioria muçulmana" da Península Ibérica nessa época era composta por conversos da própria população local. Um fenômeno parecido ocorreu nos Bálcãs, onde muitos eslavos (bósnios) e ilírios (albaneses) se converteram ao islamismo pelas vantagens políticas e econômicas que isso proporcionava. Na Bulgária atual, muitos dos membros da minoria "turca" têm ancestrais iguais aos dos búlgaros em geral, apenas foram atraídos pela língua e cultura turca em consequência do estranhamento originado por sua conversão ao Islã.

O que tornava a Península Ibérica especial era que muitos muçulmanos mantinham secretamente a religião cristã (ou assim diziam), o que criava uma lealdade mais complexa em relação ao estado muçulmano. O crescimento territorial dos reinos cristãos foi acompanhado de conversões em massa desses "cristãos secretos" que alegavam ter mantido a fé mesmo obrigados a seguir o Islã. Um exemplo desse simbolismo foi a retirada das correntes das igrejas de Pamplona quando de sua conquista pelo reino de Navarra. O fato de ainda haver igrejas lá — e de estarem aferrolhadas — indicava uma dificuldade do poder estatal muçulmano para impor a religião.

Observe aqui um fato importante: a conversão ao Islã trazia benefícios, mas não havia obrigatoriedade de adotar a língua árabe. Os muçulmanos da Península ainda falavam dialetos neolatinos, embora escrevessem em aljamiado (ortografia árabe para a língua romana). Isso também aconteceu na Albânia e em Kossovo (onde a língua albanesa permaneceu, mesmo com a conversão ao Islã) e também na Bósnia (onde os muçulmanos falam a mesma língua que os croatas e os sérvios, apenas dão nomes islâmicos aos seus filhos, em vez de nomes cristãos).

Então, a expansão dos reinos cristãos foi acompanhada de um apagamento da identidade muçulmana, permitindo que a identidade romana da região se reforçasse de novo.

Foto de perfil de Marco Antonio Costa



Nenhum comentário:

Postar um comentário