terça-feira, 27 de outubro de 2020

Machado.

 

Joaquim Maria Machado de Assis (1839 - 1908)

Amado por alguns e odiado por outros; mas certamente admirado por todos aqueles que tiveram oportunidade de estar em contato com a incisiva e elegante escrita do Bruxo do Cosme Velho

Todos os leitores brasileiros já ouviram falar de Machado de Assis. Alguns consideram-no o mago das palavras, o ilustre contador de histórias, o maior nome da literatura nacional brasileira. Para outros, o grande Machado do Assis é apenas mais um escritor monótono, maçante, difícil de ser lido, impossível de ser compreendido.

Deixando de lado as opiniões sobre a obra de Machado de Assis, se a vida imita a arte, a própria vida deste escritor vale um livro escrito para ser admirado e nunca esquecido.

Uma infância difícil

Joaquim Maria Machado de Assis nasceu em 21 de junho de 1839 na Chácara do Livramento, no Rio de Janeiro, na "Pequena África", como diria o sambista Heitor dos Prazeres. Seu avô foi um escravo, sua mãe uma lavadeira, seu pai um pintor. E o menino foi desde vendedor de balas até sacristão, mas desde cedo já estava determinado a ser escritor.

Machado de Assis ficou órfão ainda menino, sua mãe, Maria Leopoldina, faleceu quando o filho tinha somente dez anos. Seu pai casou-se novamente alguns anos depois, em 1854, com Maria Inês da Silva — uma doceira e cozinheira de profissão.

Maria Inês foi uma madrasta atenciosa e amável. Ela cuidadosamente ensinou a Machadinho — apelido carinhoso pelo qual Machado de Assis atendia na juventude — todo o pouco que sabia a respeito de álgebra e gramática. Todas as noites, em um pequeno quarto iluminado à luz de velas, a madrasta instruía o enteado a respeito do português e da matemática, pois era somente até onde alcançava o seu conhecimento.

Por não dispor de recursos que lhe permitissem ter uma boa educação formal, Machado de Assis não teve outra escolha a não ser tornar-se autodidata. O que funcionou muito bem.

Um literato

Machado de Assis teve o seu primeiro trabalho literário divulgado em 3 de outubro de 1854. Era um soneto intitulado À Ilma. Sra. D.P.J.A., foi publicado no Periódico dos Pobres — um jornal local, não muito famoso na época, impresso três vezes por semana no Rio de Janeiro.

Machadinho ainda nem tinha quinze completos quando viu Ela, o poema que marcaria a presença do autor nos periódicos mais conhecidos daquela época, ser publicado. O dia era dia 12 de janeiro de 1855, e o Jornal Marmota Fluminense trazia em sua terceira folha os seguintes versos impressos:

"Dos lábios de Querubim
Eu quisera ouvir um sim
Para alívio do coração"...

No ano posterior, Machadinho já estava trabalhando como aprendiz de tipógrafo na Imprensa Oficial. Mas o menino deixava o trabalho de lado para esconder-se por entre as estantes e ler tudo o que conseguia. Não demorou para que o patrão, ao perceber o real interesse do mau funcionário, incentivasse o rapaz a buscar um outro ofício que melhor atendesse às suas aspirações.

Em 1858, Machado de Assis começou a trabalhar como revisor de provas para o Correio Mercantil. A partir de então, a figura de Machado de Assis tornou-se conhecida entre o meio literário e jornalístico do Rio de Janeiro; a cidade naquela década já reunia os maiores representantes políticos e artísticos do país.

Em 1860, Machado de Assis já havia caído nas graças do ilustre Quintino Bocaiúva, um dos maiores nomes do jornalismo brasileiro, que o convidou para colaborar na redação do Diário do Rio de Janeiro. Durante o mesmo período, Machado de Assis também escrevia regularmente para revistas como a Semana Ilustrada, o Jornal da Família e O Espelho; nesta última o autor estreou como crítico teatral.

Somente em 1872, quando Machado de Assis já tinha 33 anos, o seu primeiro romance foi, enfim, publicado: Ressurreição. No ano posterior, ele recebe o título de primeiro oficial da Secretaria de Estado do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, desta maneira, seguindo a carreira de burocrata até o final de sua vida.

Algumas peculiaridades

É inegável o quão bem Machado de Assis dominava a arte da escrita. No entanto, a caligrafia do autor era algo ilegível, ininteligível! Isto porque o autor escrevia com a mão esquerda — era canhoto!

Uma carta de Machado de Assis dedicada a José Veríssimo

O pouco que sabe-se a respeito da infância e juventude do autor, sugerem que ele sofria de um timidez tamanha em decorrência de sua gagueira, epilepsia, e como se não bastasse, miopia. Humberto de Campos, em 1933, ao escrever um artigo para o Diário de Notícias, no Rio de Janeiro, descreve Machado de Assis da seguinte maneira:

“Era miúdo de figura, mulato de sangue, escuro de pele, e usava uma barba curta e de tonalidade confusa, que dava ares de antigo escravo brasileiro, filho do senhor e criado na casa de boa família. Era gago de boca, límpido de espírito e manso de coração. E tornara-se pelo estudo e pelo trabalho o mais belo nome, e a glória pura e mais legítima, das letras nacionais”.

Tais peculiaridades não embotam o intelecto de Machado de Assis. Além de revelar-se como um exímio escritor, tradutor — sendo um dos pioneiros nas traduções das obras de Edgar Allan Poe para o português — e crítico literário, Machado também era um grande enxadrista! Tendo ficado em terceiro lugar do primeiro campeonato brasileiro de xadrez, as peças utilizadas por Machado de Assis estão expostas até o dia de hoje na Academia Brasileira de Letras.

O Bruxo do Cosme Velho

Reza a lenda que Machado de Assis também era um bruxo. Tudo isso porque alguns juram tê-lo visto queimar várias cartas em um caldeirão lá na rua Cosme Velho, no Rio de Janeiro, onde o autor morou por muitos anos. Se é verdade ou não, a alcunha pegou e popularizou-se quando Carlos Drummond de Andrade publicou o poema "A um Bruxo, com Amor" , poema no qual cita-se a casa de nº 18, na rua Cosme Velho, fazendo uma clara alusão ao local onde residiu Machado de Assis. Segue abaixo um trecho do poema:

"Em certa casa da Rua Cosme Velho
(que se abre no vazio)
venho visitar-te; e me recebes
na sala trajestada com simplicidade
onde pensamentos idos e vividos
perdem o amarelo
de novo interrogando o céu e a noite."

Um marido dedicado

Mesmo que a literatura tenha sido a grande paixão de Machado de Assis, o grande amor da vida do autor tinha nome e sobrenome: Carolina Augusta Xavier de Novaes Machado de Assis.

Carolina Augusto Novaes (1835 - 1904)

Machado e Carolina permaneceram casado por 35 anos.

Machado era irrevogavelmente apaixonado por Carolina, fato comprovado em todos aos anos que permaneceram juntos, e exposto nas longas cartas trocadas entre o casal desde o dia em que conheceram-se na casa de Faustino, irmão de Carolina. Abaixo, excerto de uma carta escrita por Machado e endereçada a Carolina:

Como te não amaria eu? Além disso tens para mim um dote que realça-os mais: sofreste. É minha ambição dizer à tua grande alma desanimada: “levanta-te, crê e ama; aqui está uma alma que te compreende e te ama também”. A responsabilidade de fazer-te feliz é decerto melindrosa; mas eu aceito-a com alegria, e estou certo de que saberei desempenhar este agradável encargo. Olha, querida, também eu tenho pressentimentos acerca da minha felicidade; mas que é isto senão o justo receio de quem não foi ainda completamente feliz? Obrigado pela flor que me mandaste; dei-lhe dois beijos como se fosse em ti mesma, pois que apesar de seca e sem perfume, trouxe-me ela um pouco de tua alma. Sábado é o dia de minha ida; faltam poucos dias e está tão longe! Mas que fazer? A resignação é necessária para quem está à porta do paraíso; não afrontemos o destino que é tão bom conosco.

Alguns biógrafos afirmam que Carolina era uma mulher muito inteligente, culta, dada às letras tanto quanto o marido. Tendo sido ela a principal leitora, crítica, editora e quiça co-autora dos escritos de Machado, atuando também como uma ponte entre Machado de Assis e outros clássicos da literatura portuguesa e inglesa, é natural acreditar que Carolina exerceu grande influência na transição do estilo literário do autor, na fase em que as obras machadianas deixam de apresentar traços do romantismo para inaugurar o realismo literário no Brasil.

O casal não teve filhos.

Carolina faleceu em 1904. Viúvo, Machado de Assis enfrentou uma imensa depressão somente compartilhada com Graziella, a cadelinha que lhe era sua única companhia. Em uma carta endereçada ao amigo Joaquim Nabuco, Machado, ao discorrer sobre a morte de Carolina, expressa-se da seguinte maneira: "Foi-se a melhor parte da minha vida, e aqui estou só no mundo”.

O soneto A Carolina, foi escrito no mesmo ano em que Machado de Assis ficou viúvo. A obra foi considerado pela poeta Manuel Bandeira "uma das peças mais comoventes da literatura brasileira". Abaixo, o soneto completo.

A Carolina

Querida, ao pé do leito derradeiro
Em que descansas dessa longa vida,
Aqui venho e virei, pobre querida,
Trazer-te o coração do companheiro.

Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro
Que, a despeito de toda humana lida,
Fez a nossa existência apetecida
E num recanto pôs um mundo inteiro.

Trago-te flores, - restos arrancados
Da terra que nos viu passar unidos
E ora mortos nos deixa separados.

Que eu, se tenho nos olhos malferidos
Pensamentos de vida formulados,
São pensamentos idos e vividos.

"A Carolina" foi publicado em 1906, no livro "Relíquias da Casa Velha", foi o último livro de Machado de Assis, que viera a morrer dois anos depois desta publicação.

A vida, a obra e a morte

Um mulato que nasceu livre; não frequentou universidade, curioso, educou-se por sua própria conta, amou os livros e a escrita como amou a vida. Dividiu-se entre a obrigação burocrática e o prazer das letras sem nunca perder a pulsação que lhe orientava, sem nunca recuar, para o universo literário.

A vida de Machado de Assis reuniu grandes feitos. O autor até hoje é reconhecido como o primeiro presidente da Academia Brasileira de Letras e fundador da cadeira nº 23 nesta mesma instituição. O maior prêmio literário de nosso país tem como título o nome do autor de obras notáveis em qualquer estante ou prateleira de biblioteca: Dom Casmurro, Memórias Póstumas de Brás Cubas, O Alienista, Memorial de Aires — estará lá, estampando uma capa ou um prêmio, o nome Machado de Assis nunca passará despercebido pelos olhos de qualquer leitor.

A obra machadiana é reconhecida por sua polidez, pela ironia tangente e pela acidez tão sutil e tão única ao autor. Machado construiu personagens imortais, tal qual Capitu, tal qual Brás Cubas, e o que diremos então de Simão Bacamarte?

Na rua Cosme Velho, em 29 de setembro de 1908, morre Machado de Assis aos sessenta e nove anos. Cercado de seus amigos, o bruxo do Cosme Velho despediu-se sem muito sofrimento, dizem que foi uma morte tranquila embora a causa de sua morte não tenha sido algo tão simples: esclerose cerebral e câncer, na boca.

O velório foi realizado no Syllogeu Brasileiro da Academia; o polímata Ruy Barbosa ficara encarregado pelo discurso fúnebre. O mundo despedia-se de Machado para recebê-lo eternamente entre os livro.

Os restos mortais de Machado de Assis e Carolina estão guardados no Mausoléu da Academia Brasileira de Letras desde 1999.

Nas escolas, os narizes ainda torcem e os cérebros agitam-se ao ouvir falar o nome Machado de Assis. Se este não apetecem aos mais jovens leitores pela carência de reconhecimento, que lhe devam ao menos reverência e consideração.

Pois, parafraseando Drummond: outros leram da vida um capítulo, mas o nosso Bruxo do Cosme Velho leu o livro inteiro.


A vida e obra completa de Machado de Assis está disponível para leitura e download em: Machado de Assis - Vida e Obra

10 comentários de Arlei Macedo e mais

·
Perguntas para você

Siga um espaço
Siga outros 19 tópicos
Dê votos positivos a outras 5 boas respostas
Faça sua primeira pergunta
Preencha seu perfil
Responder a uma pergunta
Adicionar seu número de 

Nenhum comentário:

Postar um comentário