quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

Verdun.

 

Quão devastadora foi a Batalha de Verdun?

Foi deveras devastadora, porém eu não me vou referir muito à questão militar, pois existem milhares de artigos, livros e documentários sobre o tema.

O que eu lhe vou contar vai ser como Verdun me marcou, quando eu no já longíncuo ano de 1976, com 14 anos, numa viagem de estudo com a escola, visitei pela primeira vez Verdun.

O nosso professor de história, sabendo que nós iriamos ficar impressionados, tentou-nos preparar o melhor possível para o que estava a aproximar de nós.

Tivemos aulas sobre o conflito e vimos dois documentários, a preto e branco ainda, ambos do início dos anos 60. Já esses documentários deram para nos impressionar, tanto que eu, após mais de quatro décadas ainda me lembra vivamente dessas aulas e desses documentários. Particularmente a parte que referia que os lavradores, mesmo quase cinquenta anos após a primeira grande guerra (não se esqueça, aqueles documentários eram do inicio dos anos 60), e já depois de outra guerra ainda mais terrível, colhiam em peso mais armamento e ossos do que colhiam batatas ou couves do campo, e que durante a guerra, cairam nos vários campos de batalha de Verdun, uma média de 4,000 engenhos explosivos por metro quadrado.

O que muito me impressionou, foi a informação que uma parte substancial dos mortos em Verdun, nunca foi encontrada e que muitos corpos desaparaceram no meio dos escombros. Alguns deles cobertos pelo constante movimento das terras, devido às explosões e outros quase que atomizados pelas sucessívas explosões. Em qualquer dos casos, ninguém sabe ao certo quantas vitimas essa batalha de vários anos custou. As estimativas vão de 750.000 até um milhão, estando nos muitos cemitérios e ossuários em Verdun, enterrados à volta de 250.000 homens. Ainda hoje na Alemanha Verdund é chamada de "Hölle Verdun", o "inferno de Verdun". Os soldados chamavam-lhe "Knochenmühle" ("moinho de ossos")

O que me deixou no entanto mais impressionou durante a preparação para a visita, foi pensar que todos esses homens eram na sua maioria rapazes só um pouco mais velhos do que eu, alguns até eram quase da minha idade, e que eles morreram longe de casa e dos seus pais, o que para mim era algo, muito ligado à minha familia, era uma ideia simplesmente horrível.

Particularmente ruim era aquele sentimento de um vazio que me assalta ainda hoje quando penso que essas vidas foram sacrificadas para nada, simplesmente por uns metros de terra e em nome de uma estratégia de guerra, que eu considero umas das piores estratégias jamais desenvolvidas por mentes humanas: Essa estratégia desenvolvida pelo General Erich von Falkenhayn, à qual os Alemães chamavam de "Ausbluten", em português: "sangrar até of fim (morte)", no fundo o desgaste do adversário pela morte em números o mais alto possível, até esse ficar sem homem e/ou armamento. Uma estratégia seguida por todos os generais, de todos as forças envolvidos, que não considerava as vidas que morriam no campo de batalha, inclusive dos próprios soldados. Com certeza a estratégia mais cínica jamais desenvolvida em toda a história da guerra.

Então chegou o dia, fomos e quando já ia-mos movendo pelos densos bosques, que hoje cobrem os campos de batalha, ficamos estupefactos quanto à destruição ainda visivel mesmo 60 anos depois.

Também, quando o autocarro parou, nós fomos explorar o terreno à direita e esquerda da estrada, ficamos impressionados, pois o cavar um pouco com os pés, punha ao descoberto pedaços de armamento, estilhaços, munições e também ossos, o que, como pode imaginar, nos deixou de olhos arregalados e as nossas mentes a andar à roda.

Vimos, entre as árvores duma floresta, na sua maioria densa, selvagem e crescendo num terreno pantanoso que mais parece uma bola de golfe, restos de pequenas povoações, que ficaram entre os combatentes e das quais so restam ruínas.

Mas o mais impressionante lá, foi, para mim, o santuário, que alberga um museu e um cemitério gigantesco à sua frente. O que eu no entanto nunca mais me esqueci e ainda hoje vejo à minha frente, foi o ossuário com os ossos de mais de 130.000 soldados, alemães e franceses, pois esse está por baixo do edificio e tem janelas em baixo, nas traseiras do edificio, onde se pode ver os ossos e também cráneos, alguns com buracos claramente visiveis.

O que eu achei, literalmente perverso, foi que se via a partir de uma antiga pedreira, um campo de exercicios militares (em 1996, ainda estava lá!) o que fez a minha jovem mente pensar: "mas será que eles não aprenderam nada?"

Para complementar, li, nos próximos dias depois de regressar, o livro de Erich Maria Remarque, "Im Westen nichts Neues" ("Nada de Novo na Frente Ocidental")

Tudo isso, a viagem, o livro de Remarque, e os muitos outros livros sobre o tema que li posteriormente, assim como os documentários, teve um efeito tremendo em mim, que dura até hoje e me marcou, criando em mim um ódio à guerra e uma tendencia pacifista, assim como influênciou as minhas posições políticas.

Eu tirei naquela altura algumas fotos, mas depois de mais de quatro décadas, já não tenho mais nenhuma, vou postar mesmo assim algumas fotos que encontrei na net, para se ver com o que é que nos deparamos em Verdun.

É assim a maior parte do terreno, nos antigos campos de batalha[1]

Santuário/Ossuário[2]

Imagem através de uma das janelas para o ossuário, nas traseiras do edificio[3]. Eu penso que deve dar para imaginar porque é que ficamos tão impressionados, pois nunca nenhum de nós alguma vez tinha visto as ossadas de um ser humano. Senti uma grande tristeza, que ainda hoje sinto, quando estava a olhar através daquele vidro e pensei com a minha mente de menino que eles eram todos jovens que nunca chegaram a viver e a ver todo mundo moderno, com carros, rádio, gira-discos (sim, estavamos em 1976), etc.

Uma das muitas florestas na área de Verdun[4]. Dá para ver o solo remexido, pelas trincheiras e impactos de engenhos explosivos.

Munições perdidas, desenterradas quase 100 anos depois do conflito[5]

Mais munições[6] . O que é assustador, é que algumas ainda podem explodir e matar, mesmo mais de 100 anos depois do fim guerra.

Parte das fortificações de Verdun[7]

Uma das pequenas vilas que nunca mais foi reconstruída[8]

Monumento ao soldado desconhecido no intererior do santuário[9]

Por baixo deste santuário (acho horrível a torre ter a forma de um óbus) estão as ossadas de 130.000 soldados franceses e alemães[10]

O cemitério em frente ao santuário[11]

Foto aérea do Santuário e do cemiterio militar[12]

Uma imagem gloriosa como o simbolo de fim de uma éra terrível, O presidente francês Mitterand e o chanceler alemão Helmut Kohl, em 1984 em Verdun[13]

Notas de rodapé

1 comentário de Carlos Saraiva






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