domingo, 29 de novembro de 2020

A catarse do Alienista.

 .UFMG\Fac.de Letras.

Mestrado em teoria da Literatura.

Profs.Nancy Mendes  e Luis Claudio Oliveira.

Disciplina:LITERATURA E INTERDISCIPLINARIDADE.

Estudante:Marco Antonio E. Da Costa.


                                      A CATARSE DO ALIENISTA.

"O pugilato das ideias e´muito pior que o das ruas."   Machado.

Os diversos campos de saber que tem por objeto de estudo ou referencia criativa o ser humano e suas obras ,apos marchas e contra-marchas,encontram-se hoje no limiar de novos paradigmas,novos olhares e fazeres.No espaço multifacetado,com transito aberto a pluralidade das mais diversas correntes de pensamento ,a observação e a vivencia da multiplicidade de ideias ,propostas e confecções apontam para uma nova compreensão dos saberes ,não mais algo estanque ou determinado,mas um conhecimento em construção permanente,atento aos mais diversos enfoques e contribuições.

A perspectiva da Interdisciplinaridade coloca-se como instrumento adequado as praticas e reflexões de nossos dias ,pois o ser humano -fonte primeira de qualquer saber-e´composto de uma miríade de perfis requerendo assim,óticas correspondentes.Encontramos conceitos comuns a diversas áreas. Por exemplo nos discursos da Literatura e da Psicanalise temos a noção de catarse que,ainda que concebida em cada uma delas,guarda,no entanto,uma base comum que permite relaciona-los.Assim sendo,vamos nos valer desse conceito de Catarse para fazer uma ligação ,uma ponte Interdisciplinar.No campo Literário,temos que a natureza e função da Literatura são corretas.Afinal,a natureza de um objeto decorre da sua utilização,ou ainda,o objeto e´aquilo para que serve.

A historia estética pode ser compreendida a partir da premissa de Horácio,(1),segundo a qual a poesia e´Doce e Útil,lembrando Kant,pode-se pensar as funções da arte de modo a considerar este "Dulce et Utile".Afinal,a poesia-Literatura por excelência -e´no olhar de Aristóteles também uma forma de conhecimento ,pois a poesia e´mais filosófica que a historia sendo que aquela relata coisas que poderiam acontecer e esta,coisas que aconteceram.Uma das funções da literatura e´aliviar-nos -leitores e escritores-da pressão das emoções ,exprimir emoções,libertar-se delas,alem de percebe-las.

Tal processo recebeu de Aristóteles na "Poética"a denominação de Catarse,vocábulo oriundo da linguagem biológica,significando:purificação do corpo de elementos nocivos.(2).Para o sábio de Estagira,a tragedia,no teatro Clássico,tem esse efeito moral de limpeza ,catártico,portanto,a obra literária atua como forma de libertação e superação de elementos adversos ,clarificando racionalmente as paixões.Na leitura Psicanalítica ,temos catarse como purgação,uma vez que Freud ,em parceria com Breur,em um momento pre-psicanalítico ,utilizou como técnica psicoterapêutica para tratamento de neuróticos,em especial de histéricos,o que foi denominado catarse hipnótica.Tal recurso foi utilizado com o proposito de despertar lembranças de experiencias afetivas reprimidas -Traumas psíquicos morbígenos-considerados responsáveis pelo distúrbio emocional ,sendo que a eficacia deste método reside na ab-reação dos sentimentos reprimidos ate então ,ou seja,na vivencia imaginaria da experiencia original,quer na hipótese ,quer no dialogo terapêutico .Posteriormente,essa técnica foi substituída por métodos que vieram a constituir a Psicanalise.(3).Então,tanto na psicanalise como na literatura temos a Catarse como purificação ,alivio e possibilidade de enfrentamento de situações e emoções adversas.

Podemos analisar melhor esta função no conto :"O alienista"de Machado de Assis;em que o dr.Simão bacamarte em tempos idos,vem da Europa para trabalhar no interior da colonia pois "Ciência e´o meu emprego único e Itaguaí meu universo".Ele tem o proposito de compreender a fundo a patologia cerebral,afinal:"A saúde da alma e´a ocupação mais nobre do medico."(4)Como um Pinel tupiniquim, o cientista dedica-se totalmente a loucura e suas causas para encontrar um "remédio universal" e "prestar um serviço a humanidade."Assim cria um asilo-designação Francesa do manicômio -chamada Casa Verde,que abriga torrente de loucos.Essa "bastilha" da razão humana sob o atilado e implacável olhar clinico de Bacamarte.Isto acarreta uma rebelião-uma reação Termidoriana,por assim dizer-da turba,que ao fim de muitos entreveros ,só faz consolidar o poder do Alienista que permanece altaneiro,sustentado pelas instituições ,pelos interesses políticos oscilantes e por suas próprias convicções.

Simão Bacamarte entende que não ha regra especifica para a sandice.Afinal,tudo e´loucura!Desta (pan) demência advêm a internação onde novos "inquilinos",cerca de 4\5 da população local estão no hospício!Num segundo momento,todos os internos são libertados da Casa Verde,pois a verdadeira patologia-conclui ele-era o equilíbrio continuo.Apos algumas internações em conformidade com este novo quadro,dr.Bacamarte duvida-e a duvida e´o começo de qualquer pensamento-da veracidade da premissa e guiado pela busca cientifica,encontra em si próprio as características do perfeito equilíbrio moral e mental ,concluindo,portanto,a própria demência e consequente auto-internação,como a nos lembrar Moliere:"Quase todos os homens morrem de seus remédios,não de suas doenças."(5).

E´no final do texto que encontramos o processo Catártico ,numa interpretação mitridática da catarse. Mitridates VI,o grande-rei do Ponto-previnia-se contra as intrigas palacianas pela ingestão frequente e progressiva de doses a base de plantas venenosas ,criando uma defesa imunológica para o organismo.Por extensão:Antidoto.(6).Tal concepção ,compreende que a Catarse propicia a possibilidade do enfrentamento das adversidades com que o homem se defronta.Lembrando Aristóteles,a catarse não se desliga de uma profunda responsabilidade do homem perante o seu destino,pois o sentimento de plenitude produzido pela Catarse ,liga-se ao reconhecimento -uma especie de aceitação-de algo universal,fatal,nosso(7).Assim e´com Simão Bacamarte que,ao reconhecer em si os sintomas que ele próprio catalogara como demências ,ou seja,traços de normalidade,condena a si próprio ao recolhimento a casa verde.Mais do que zelar pela retidão cientifica o que Bacamarte desenvolve e´uma catarse ,uma purgação mitridatica,conforme sua fala apos a auto-internação:"A questão e´ cientifica ,trata-se de uma nova doutrina ,cujo primeiro exemplo sou eu. Reúno em mim a teoria e a pratica."

O ilustre dr.,assume de maneira digna a dolorosa situação que suas ideias engendraram ,responsabiliza-se pelos próprios atos,reconhece resignado seu destino,que afinal ajudara a construir .E,ainda,alivia-se de pressões ao libertar emoções ,sente-se "Alegre e triste"."Fechada a porta da Casa verde ,entregou-se ao estudo e a cura de si mesmo".Esse trecho poderia servir de epitáfio ao dedicado doutor...A partir disso,pode-se pensar:Ate que ponto o próprio Machado não teve em seus escritos um recurso catártico?Ate onde o bruxo de Cosme velho teve na literatura seu meio de purgação?

Mas isso e´uma outra historia...

1.Horacio.2.Aristoteles.3.Chevalier.4.Machado.5.Moliere.6.Barsa7.Aristoteles.

Bibliografia :

.Aristóteles. Poética."Os Pensadores".Vol.V Sp,Abril,1973.

.Arnold,W.Dicionario de Psicologia.Vol 1.SP,Loyola,1952.

.Assis,J.M.Machado de.O alienista.SP,Atica,1976.

______Papeis avulsos.RJ,Garnier,1979.

.Chevalier,J Dicionario de simbolos.Jose olympio.rj,1994.

Chunha,A.Dicionario etimologico da lingua portuguesa .Nova fronteir,rj,1994.

.D´oliveira ,M.Dicionario Brasileiro ilustrado.Sp,edigraf,1965.

Guerios,r.Dicionario Etimologico de nomes e sobrenomes.sp,ave maria,1992.

Horacio. Odes.Rj,ediouro,1980.

Mc Crorym.,M.Revolução Francesa,Lisboa,Dom Quixote,1983.

Moog,v.Herois da decadencia.rj,Civ.Bras,1964.

Moliere.O doente imaginario.sp,Ediouro.1980.

Schwarz,R.Um mestre na periferia do capitalismo.\Machado de assis.sp,Duas cidades,1991.

Seguier,j.Dicionario pratico ilustrado.Porto,Lello e irmão,1947.

Silva,Vitor manuel.Teoria da literatura.Coimbra,Almeida,1973.

Varios autores.Antologia Brasileira.rj,Francisco alves,1923.

Wellec,r.Teoria da literatiura.Lisboa,europa-america,1962.


M.





Nenhum comentário:

Postar um comentário