quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Nosso Louco.

                                     Nosso Louco.

                                                        “ A loucura como o sol ,tem sua própria órbita.”
                                                           Hamlet.  William Shakespeare. (1564-1616).

                                                           Dedicado a Franco Basaglia.

 Obs. :  O conto a seguir foi feito, a partir de relatos colhidos na cidade de Pedro Leopoldo. Nomes foram alterados para preservar as pessoas.

Costumam dizer que na cidade pequena não há privacidade e que na grande há liberdade. E´ verdade que a intimidade nas cidades menores e´ meio publica , mas, há um calor humano que não se encontra nas cidades grandes.Ao passo, que na cidade maior se desfruta de mobilidade,mas  a convivência entre as pessoas  beira a indiferença.Então temos virtudes e limitações , em ambas.
Nosso “causo” começa em uma cidade do interior mineiro, de médio porte, industrializada e próxima da capital. Lá, havia um personagem folclórico, como em tantas cidades e bairros da minha infância, na capital.
Um Negro idoso, setenta e tal (ninguém sabia ao certo a idade, nem ele), no entanto, tinha apenas alguns fios brancos em seu cabelo carapinha, que ele trazia penteado e repartido. Com óculos de lentes grossas, vestia-se de modo formal; paletó (roto), camisa abotoada ate o pescoço e sempre descalço! Como os escravos, no período Imperial...
Constava que seu nome de batismo era José, mas todos o conheciam por Péricles, que era como ele se autodenominava. Era doente mental, mas seu perfil dócil e pacífico o tornava sociável. Alem do que era erudito, tinha conhecimentos de Filosofia e Historia que repartia, de bom grado, com quem quer que fosse.
Os antigos contavam que a infância miserável, não lhe tirou a sede de conhecimento; ao contrario, ávido pelo saber, tanto estudou  e se esforçou, que sua mente combalida, o traiu! Era um desajustado, diziam, mas ninguém negava a simpatia que irradiava. Eloqüente  e informado, discursava com facilidade sobre a Guerra do Paraguai ou sobre a importância de Santo Agostinho no pensamento cristão.
Claro, por vezes era ininteligível especulando sobre a finitude do universo e da vida no cosmos. De qualquer modo, a cortesia publica sempre se fazia presente no cotidiano de Péricles, que era convidado a participar das rodadas de bebida, nos bares da cidade. Mesmo alcoolizado (estado freqüente), não perdia o elam, com o tempo sua lucidez e palavras se faziam sentir cada vez mais. Era como o bom vinho, quanto mais velho, melhor. Andava pela cidade constantemente, entrava em bares, onde lhe ofereciam a “loura”  (cerveja)ou a”branca” (cachaça);escolhia ora uma ,ora outra.
As vezes,postava-se na calçada e com jeito de orador,olhos fixos no infinito, discursava de modo claro sobre a diplomacia de Juscelino Kubitscheck ou outro tema do cenário político.Falava bem, sem erros gramaticais ou palavras chulas.Sua clareza e facilidade chamaram a atenção de políticos ,que em períodos eleitorais o usavam como “garoto propaganda”,buscando que ele persuadisse os eleitores em favor deste ou aquele candidato.O pagamento? Bebida, comida e elogios... Nem sempre ele se dispunha a fazer “marketing” para eleitoreiros.
Por tudo isso, se tornou uma figura querida na cidade , que se habituou com sua presença e palavras. Por vezes, algum zombeteiro tentava provocá-lo enquanto discursava. - “ E ai, falador , porque você fala tanto?”,instigava um;
                    -“ Eu de Cá ,você de lá e ribeirão passa no meio.”Respondia sereno, mas peremptório. Ou ainda:
                        -“ô negâo, porque você não usa sapato?”
                        -“Porque foi descalça que minha raça ajudou a construir a riqueza deste pais !.” Consta que nesta ocasião, o provocador se retirou, aturdido...

Tradicional era a  “ festa do poste “, na qual os moradores de determinada rua ,aguardavam os reparos em um poste, que nunca vinham; então, ironicamente, comemoravam, todo ano (na data do pedido feito e não atendido) ,no bar em frente ao poste ,com direito a bolo de aniversario...Sempre convidado a discursar, nestas ocasiões , Péricles, enaltecia as qualidades do grego de quem usava o nome, nomeando, as virtudes do  líder Ateniense.
 “ Foi o primeiro prefeito da historia,incentivou as artes e enricou (enriqueceu) a cidade de Atenas.Criou a democracia e foi um estadista ,como J.K. ...”
Prosseguia por muito tempo, loquaz e emocionado seu discurso inflamado, e regado a álcool pela platéia, encantada. Era, assim, uma espécie de patrimônio da cidade; querido e sempre presente.
Certo dia a rotina da cidade foi quebrada, Péricles fora visto pela ultima vez no fim de semana, como de costume, vagando pelas ruas. Depois, a monotonia deu lugar ao espanto, Péricles estava preso na capital! Como? O que fora fazer La? Como chegara La? Isto ninguém soube explicar. O que alguns rapazes, que estudavam em B.H. ,disseram e ´que fora preso por andar nu na cidade! .O que se descobriu: fora para Belo Horizonte e em plena rodoviária começou a discursar, por horas... Mas ninguém lhe prestou atenção. Diante do descaso das pessoas e das aglomerações típicas da região, estranhou o barulho e a desatenção de todos. Afinal, era sempre ouvido...  Sentiu-se morto, abandonado, solitário, naquele inferno de concreto quente?.
Como uma alma perdida no limbo, despiu-se e começou a vagar pela cidade. Em silencio e nu andou alguns quarteirões, ate ser detido por policiais, a quem não opôs nenhuma resistência. Causara pânico, mas estava estranhamente quieto e calmo. Quando indagado, disse ser de outro mundo, um espírito invisível e inaudível.     Claro! Era louco!  Assim diziam os jornais e também os psiquiatras, que trataram de interná-lo imediatamente.
Alguns  conterrâneos foram visitá-lo no hospital;não tinha parentes; mas ele nada dizia e fitava com olhar vítreo, o nada.Silenciou, sua palavra antes tão viva ,quedava inerte como sua identidade.Os médicos disseram que ele estava catatônico, incapaz de reagir ao mundo externo ,indiferente a tudo,ate a  si próprio.Na volta para a cidade, as pessoas, comentavam:”Virou um morto-vivo.”,ou “ Coitado. Não fazia mal a ninguém.”
Poucos meses depois, morreu. Dele ficou a lembrança de seus discursos, o fundamento de seus argumentos, suas palavras, enfim, ecoando pelas ruas, bares e becos da cidade.

E a sensação de que se não tivesse saído de sua cidade, ainda estaria vivo...

Autor: Marco Antonio E. da Costa.  







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