Ficção.

 

Ler ficção é uma perda de tempo?

Originalmente respondida: Ler ficção é uma perda de tempo? Por que?

Há uma série de razões para eu dizer que não.

Há cerca de 2500 anos, a educação de jovens gregos tinha como fonte primordial as obras de Homero, um conjunto de estórias que guardam profundas lições de virtudes desejáveis e vícios abomináveis. Em Atenas, tais virtudes eram transmitidas por um tutor a seus pupilos sob a narração da Ilíada e da Odisseia. Até mesmo Esparta, uma cidade-estado com forte espírito militar, utilizava-se desses mitos (ficção) para educar os seus jovens guerreiros.

Mas por que a ficção é importante?

Se os grandes escritores de todas as épocas não me xingassem do túmulo por esta grosseira simplificação, diria que: a vida de um ser humano é muito curta e, por isso, é necessário viver outras vidas por via de imaginação. Somente a ficção pode lhe dar essa trilha.

Em livros de ficção estão condensadas imensas possibilidades de existência. Algumas dessas possibilidades, inclusive, podem um dia cruzar o seu caminho.

Darei alguns exemplos.

Você conhece alguém que pensa ter a fórmula para um mundo melhor?

Se sim, essa pessoa, provavelmente, acredita que algumas concessões morais podem ser feitas em nome desse ideal, não?

Bem, eu acabei de exibir uma possibilidade existencial descrita no livro "Crime e Castigo" de Dostoiévsky.

Viajemos um pouco mais.

Você já se sentiu deslocado de quem você é por trabalhar demais e ficar reduzido à matéria bruta de sua rotina? Pecebeu-se "frio" como uma rocha desalmada? Bem, esta é uma possibilidade existencial simbolizada na obra "A metamorfose" de Franz Kafka, assim como em "O estrangeiro" de Albert Camus.

Quem nunca quis ser o artista que vive na farra sem compromissos?

Henry Miller investigou essa possiblidade em suas obras como ninguém mais seria capaz de fazer.

Nietzsche dizia que "a vida sem a música seria um erro". Essa ideia facilmente se aplica à literatura ficcional, pois a nossa vida como puro fato não basta. É necessária a vida como potência ou possibilidade.

A ficção é, sobretudo, uma via de autoconhecimento, pois o olhar para dentro pressupõe o contraste do mundo lá fora. O mundo lá fora não é apenas o que veem os seus olhos, o que ouvem seus ouvidos, o que suas mãos tocam e os seus pés pisam: há muitas coisas que você não verá de perto senão por meio das artes.

A ficção dá sentido à nossa existência.