sexta-feira, 5 de novembro de 2021

Democracia Ateniense.

 

Como surgiu e como funcionava a democracia na antiga Atenas?

Em Atenas, o princípio da democracia (o "poder do povo") era a possibilidade de qualquer cidadão participar do governo da pólis, independente da sua riqueza ou posição social.

Mas esse foi o resultado de um longo processo de desenvolvimento, e que funcionou efetivamente apenas por um período breve de tempo no período clássico - basicamente, durante o período de hegemonia de Péricles, entre 444 e 429 AEC.

Para entender, voltamos ao princípio…

As cidades gregas eram estados cuja origem podia ser encontrada no estabelecimento das populações helênicas na península. Nós sabemos que, no período micênico, essas cidades eram centros políticos de pequenos reinos locais - e que Atenas já era uma delas.

Esses reis não tinham muito poder (se comparados com os soberanos do Oriente Médio, alguns deles considerados divinos, com poder de vida e morte sobre todos).

A meu ver, isso se deve à própria religião dos gregos, que idealizavam seus deuses com tantos defeitos humanos que seria impossível conceber governantes terrenos absolutos. E sem soberanos absolutos, abre-se espaço para que o acesso ao poder seja debatido, ou que as decisões dos governantes sejam discutidas. Esse ato, de ir a pólis para discutir assuntos da cidade, é a origem da política - possibilidade que não existia nos despotismos orientais.

Com o tempo, no período arcaico (entre os século 8 e 6 AEC), essas cidades deixaram de ter reis, e o poder passou a ser compartilhado pelos membros mais idosos das famílias ou das tribos originais - algo semelhante existiu no Irã sassânida, mas com poder apenas consultivo. Nas cidades menores, as famílias originais não se diferiam muito do conjunto da população; mas em Atenas, com o crescimento populacional e a atração de forasteiros vindos de outros locais, criou-se uma distinção muito nítida entre os descendentes dos fundadores (os eupátridas, "bem-nascidos") e o restante da população.

Somente os eupátridas podiam possuir terras (que eram consideradas inalienáveis - ao menos as melhores) e eram os únicos cujos chefes tinham acesso ao areópago (colina de Ares), um conselho que tomava decisões políticas, religiosas e judiciárias. Obviamente, o conselho não podia estar reunido todo o tempo, e o exercício do poder era confiado aos arcontes, escolhidos a cada dez anos. Eram em número de 3, para não concentrar o poder.

Podemos fazer um paralelo com Esparta (século 6 AEC) e Roma (após a expulsão dos reis etruscos, em 509 AEC); o areópago ateniense correspondia à Gerúsia espartana e ao Senado romano, enquanto os arcontes eram os equivalentes aos éforos e aos cônsules.

Porém, esse sistema restrito se chocava com uma memória mais antiga, do tempo em que as decisões eram tomadas ao ar livre (como nas aldeias), diante de todos. Os gregos consideravam que essas assembleias públicas tinham maior legitimidade, mas poderiam resultar em decisões imprevisíveis - e caberia aos conselhos fechados vetar as escolhas que poderiam resultar em dano para a pólis. Aliás, o motivo de ser desses conselhos superiores era reunir os cidadãos mais importantes pela sua experiência anterior - que, obviamente, vinha com o tempo. Em Atenas, os ex-arcontes passavam a ser integrantes do areópago. "Geras" e "senex" são termos que identificam a idade desses conselheiros.

As narrativas atribuem a Dracon, um arconte, a autoria das primeiras leis escritas em Atenas (por volta de 621 AEC). Ele era o equivalente a Licurgo, em Esparta, e suas leis eram uma síntese do poder da oligarquia ("governo de poucos").


No entanto, Atenas estava passando por profundas mudanças econômicas.

Havia uma atividade comercial em plena expansão, levando ao fortalecimento de uma classe mercantil que acumulava cada vez mais riquezas, mas não tinha acesso ao poder político - muitos desses comerciantes eram originários de outras partes da Grécia. Por outros lado, havia a ruína de muitos proprietários de terra (devido à partilha familiar), que acabaram tendo que aceitar a escravidão temporária como forma de pagar dívidas…

Foi então que o Areópago incumbiu o legislador Sólon de reformar as leis draconianas (594 AEC), e assim reduzir a tensão social entre os grupos em conflito.

Sólon era um eupátrida cuja família tinha sido arruinada, mas que conseguira se reerguer através do comércio. Ele procurou equilibrar os interesses, abolindo a escravidão por dívidas, e criando um conselho maior, a Bulé, com 400 membros (depois, 500). Com isso, o poder do areópago foi esvaziado.

Também foi restabelecida a Eclésia, a assembleia de todos os cidadãos maiores de 30 anos, cujos pais e mães estivessem inscritos em algum dos demos atenienses.

Surgia, então, a democracia de Atenas.

Ser ateniense era uma condição muito variável. Se a cidade mantivesse critérios rigidamente de nascimento para ser inscrito no demos (povo), os cidadãos continuariam a ser uma minoria. Então criou-se um sistema de censo em que, de tempos em tempos, as listas eram ampliadas para incluir famílias vindas de outros locais e que tivessem se enriquecido na cidade.

Mas os comerciantes tinham pressa.

Foi nesse momento que apareceu Psístrato, um eupátrida disposto a acelerar as transformações através de um poder obtido pela força (546 AEC). Ele violou as leis de Atenas e governou, como outros tiranos, conseguindo o apoio dos mais pobres com a isenção de impostos e a concessão de terras confiscadas aos mais ricos.

E aí surge um problema: se os governantes fizerem concessões cada vez maiores aos pobres (para ter mais popularidade), ou aos ricos (para receber apoio monetário), o governo da cidade é que será prejudicado, levando a sociedade ao colapso. Assim, depois da morte de Psístrato, coube a Clístenes (por volta de 508 AEC) restabelecer o equilíbrio da democracia, com a criação do ostracismo, um sistema de votação secreta que servia para que o conjunto da população indicasse, eventualmente, qual cidadão poderia ser uma ameaça futura para o governo da cidade.

Era uma forma de bloquear os excessos da maioria e impedir futuros tiranos. Isso aconteceu com Alcebíades quando a popularidade dele começou a ser vista como um obstáculo para a alternância do poder.

Mas era possivelmente o único momento em que os cidadãos realmente faziam escolhas pelo voto.

Em Atenas, as escolhas eram feitas por sorteio, inclusive para os membros da Bulé ou da Pritania, uma casa em que 50 cidadãos ficavam morando juntos durante um mês, enquanto realizavam os trabalhos da cidade. Acreditava-se que, se estivessem todo o tempo juntos, eles fiscalizariam o trabalho uns dos outros, evitando qualquer tipo de corrupção.

Esse sistema permitia uma alta rotatividade do poder, já que eram assembleias públicas a cada semana, e qualquer um poderia chegar aos mais altos cargos da cidade. Os atenienses acreditavam a deusa Tique (a sorte) regia todas essas escolhas - e, se fosse a escolha de um idiota não traria grande dano, já que o período de governo era bastante breve e compartilhado com outros sorteados. Só se fosse muito azar…

Existem algumas dúvidas no quadro acima. Nós não sabemos se a Helieia era um tribunal específico, ou se era a sua composição era a própria Eclésia. Também não sabemos bem qual era a condição dos metecos (moradores livres, sem direito à cidadania política) e sua distinção em relação aos xenoi (estrangeiros, mesmo de outras cidades gregas). No auge da democracia ateniense, com Péricles, a Eclésia reunia cerca de 6 mil cidadãos - um número realmente imenso para uma assembleia - para uma população de cerca de quase 100 mil habitantes.

As mulheres não participavam de nada. Nem os escravos.

Também não sabemos como eram escolhidos os dez estrategoi (comandantes militares), se eram por sorteio ou indicados pela Bulé. Mas podemos presumir que a sua escolha não era acessível a qualquer cidadão, mas somente àqueles que reuniam condições para comandar as atividades de defesa.

De qualquer forma, o cargo de estratego se tornou a principal e mais almejada função pública de Atenas. Péricles era um estratego.


A democracia de Atenas, apesar de altamente elogiada até os dias de hoje, não era muito bem vista pelos próprios atenienses. Eram assembleias muito frequentes - com presença obrigatória e pagamento pelo erário de um dia de trabalho - e o sistema de sorteios criava um vazio de poder.

Além do mais, qual a utilidade de um conselho soberano, responsável por estudar as propostas de leis enviadas pelos cidadãos, administrar as finanças e celebrar tratados com outros estados, com 500 integrantes?

Sólon, Clístenes, Alcebíades e Péricles pertenciam à mesma família, os Alcmeônidas. De alguma forma, eles conseguiram ser os principais artífices desse sistema, e também seus maiores beneficiados…

Sócrates ridicularizava a democracia, e os pensadores modernos nunca tomaram o seu funcionamento como um modelo para as democracias representativas atuais.

Foto de perfil de Marco Antonio Costa

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Gosto de História e Arqueologia
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Bacharelado - SCL Ciência política & História Antiga do Oriente Médio, Faculdade Baruch (1988)
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Historiador em Universidad Jaime I (2013-até o momento)
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Textos traduzidos do https://www.antickysvet.cz/ site de história em checo.
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