Robespierre e a época mais cruel da Revolução Francesa
O seu nome evoca o Terror, ou seja, a época mais cruel da Revolução Francesa. Radical e visionário, fez do seu fervor revolucionário uma autêntica religião que acabou por conduzi-lo à guilhotina.
No dia 28 de Julho de 1794, a guilhotina instalada na actual Praça da Concórdia de Paris decapitava Maximilien Robespierre e mais vinte e um correligionários, entre os quais se encontravam Saint-Just e Couthon, os seus principais aliados durante o regime do Terror. Terminava assim a época mais negra da Revolução Francesa, na qual centenas de pessoas foram executadas ou presas, mas, ao mesmo tempo, acabava também o impulso democrático que a encorajara.
Maximilien François Marie Isidore de Robespierre nasceu em Arras (França) no dia 6 de Maio, 1758. O seu pai, François de Robespierre, advogado no Conselho Supremo da região de Artois, descendente de uma ilustre família de juristas entre os quais se contavam algumas das mais famosas figuras daquela região. A sua mãe, Marguerite Carraut, era filha de um humilde cervejeiro de Arras. Quando ambos anunciaram a intenção de se casarem, encontraram a oposição dos Robespierre, dada a humilde origem da noiva, mas a gravidez da jovem obrigou-os a ceder, perante a possibilidade de um escândalo que pudesse afectar o seu bom nome. Seis meses depois do casamento, nasceu Maximilien e, ao primogénito, seguiram-se mais três filhos: Charlotte (1760), Henriette (1761) e Agustin (1763). Na sequência de uma quarta gravidez que correu mal, Marguerite morreu e o pai desinteressou-se das crianças. As meninas foram acolhidas pelas tias paternas, enquanto Maximilien, então com 6 anos, bem como o seu irmão Agustin, ficaram sob a custódia do avô materno, Jacques Carraut. A partir dessa altura, Robespierre só reencontrou o pai em raras ocasiões. François de Robespierre morreu em Munique, em 1777.
Primeiros passos na política
Apesar da sua complexa vida familiar, Maximilien de Robespierre conseguiu prosseguir os estudos superiores e, de acordo com a tradição familiar, inclinou-se para uma carreira dedicada às leis. A sua licenciatura coincidiu praticamente com a convocatória dos Estados Gerais, em Abril de 1789, pelo que, depois de publicar um panfleto, intitulado Adresse à la nation artésienne (Chamada ao povo de Artois), decidiu apresentar-se a eleições, tendo sido eleito quinto deputado pelo Terceiro Estado. Por essa altura, já se manifestara o seu carácter veemente e a firmeza das suas convicções. A sua excelente oratória era acompanhada de uma tal força expressiva que Mirabeau disse, referindo-se a ele: “Este jovem político acredita no que diz: chegará muito longe.” Não era propriamente o elogio de um correligionário. Pelo contrário. Nos mais de cento e cinquenta discursos que dirigiu à Assembleia até 1791, já se apreciava a sua condição de líder do pequeno grupo mais radical do órgão legislativo que Mirabeau qualificava depreciativamente como “as trinta vozes”. No seu pensamento aflorava já também, de forma evidente, a influência de Rousseau.
9 DE TERMIDOR. Na noite de 9 do Termidor do ano II (27 de Julho de 1794), Robespierre foi acusado de tirania e preso juntamente com os seus seguidores. Esta pintura de Jean Joseph François (inícios de 1800) reflecte o momento da altercação em que o gendarme Merda disparava contra o dirigente (Musée Carnavalet, Paris).
Naquela altura, Robespierre pertencia ao clube dos defensores da implantação de uma Constituição em França, que se reunia no convento dos jacobinos, a denominação que, por extensão, acabou por designar o próprio partido. Os jacobinos situavam-se ideologicamente à esquerda dos girondinos, mais moderados, embora ambos defendessem que se devia limitar o poder da monarquia e dar maior preeminência ao Terceiro Estado (a burguesia) no governo do reino. No clube, Robespierre jogou as suas primeiras cartas revolucionárias, ocupando cada vez mais um lugar de maior responsabilidade e acabando mesmo por se tornar o líder do movimento, no Verão de 1792.
Depois da fracassada fuga de Varennes e o consequente descrédito da família real, uma grande multidão, concentrada no Campo de Marte, pediu a derrogação da monarquia perante a impossibilidade de conjugar o poder real com uma Constituição, que facilitaria o caminho às aspirações da revolução burguesa. A sangrenta repressão das tropas contra os manifestantes provocou a fuga de Paris da maior parte dos líderes jacobinos que tinham apoiado a revolta. Robespierre, no entanto, permaneceu na capital e isso permitiu-lhe alcançar uma posição privilegiada dentro do partido, do qual acabou por se tornar líder indiscutível.
O Terror
Depois da formação da Convenção Nacional, eleita por sufrágio universal, Robespierre contou com o apoio dos sans-culottes, ou seja, as classes populares, e começou a mostrar-se abertamente a favor da república. Contrariamente aos jacobinos, os girondinos defendiam um Estado descentralizado e a monarquia constitucional. O conflito estalou definitivamente quando os últimos rejeitaram a execução de Luís XVI e se opuseram à linha de firmeza republicana radical que representava a facção liderada por Robespierre.
Após uma dura campanha de descredibilização dos adversários, Robespierre, apoiado pela massa popular, liderou um golpe de Estado, desmantelou os girondinos e prendeu todos os seus dirigentes.
A delicada situação da república, com graves distúrbios internos e com a coligação de monarquias europeias em guerra aberta, acabou por se refletir no seio da Assembleia. Os jacobinos, com Robespierre à cabeça, insistiam que o poder supremo deveria emanar da Assembleia e que os ministros deveriam ser meros executores das suas decisões. Para alcançar este objectivo, foi formado o Comité de Salvação Pública, com atribuições praticamente omnímodas, mas das quais deveria prestar contas à Assembleia. Finalmente, em 27 de Julho de 1793, o seu prestígio como político e a sua excelente oratória fizeram de Robespierre o principal dirigente do Comité de Salvação Pública. Nesta sua nova responsabilidade, promoveu uma série de medidas excepcionais que considerava necessárias para salvaguardar a república, mas que acabaram por se aproximar perigosamente de uma ditadura jacobina.
“O princípio fundamental do governo constitucional é preservar a república – escreveu Robespierre na sua Teoria do governo revolucionário –, o do governo revolucionário [os jacobinos] é fundá-la. O governo constitucional ocupa-se principalmente da liberdade civil; e o governo revolucionário, da liberdade pública. Um regime constitucional é suficiente para proteger os indivíduos dos abusos do poder público; num regime revolucionário, o próprio poder público é obrigado a defender-se de todas as facções que o ataquem. O governo revolucionário deve aos bons cidadãos toda a protecção nacional; aos inimigos o povo nada lhes deve senão a morte”.
Com esta filosofia como ponto de partida, iniciou-se o período revolucionário, uma fase de repressão que se traduziu na morte de milhares de pessoas, pouco importando a sua origem ou condição social, e que pretendeu assinalar a ruptura total com o passado absolutista e monárquico. Robespierre, que na sua juventude fora um firme defensor da abolição da pena de morte, passou a considerar que esta estaria justificada sempre e quando o executado fosse um “inimigo do bem comum”.
Apesar do que possa parecer, Robespierre ocupava o centro ideológico da política do Terror. À sua esquerda, encontravam-se os hebertistas (seguidores de Jacques-René Hébert), tremendamente radical nos seus princípios. À sua direita, os indulgentes, representados por Danton e Desmoulins. Em qualquer caso, ambos os sectores opunham-se às orientações promovidas por Robespierre e pelos seus seguidores. Determinado a eliminar qualquer oposição, o Comité de Salvação Pública decidiu deter as principais figura: Danton, Desmoulins e Hébert foram detidos, submetidos a julgamento e executados na guilhotina.
Robespierre e a defesa da violência. Apesar de ter sido influenciado pela filosofia de Rousseau, Robespierre defendeu a violência e a repressão como um mal necessário para alcançar uma república justa e pacífica.
Robespierre defendia que o exercício da virtude, ou seja, a defesa dos princípios de igualdade, justiça e liberdade, deveria ser o objectivo de qualquer governante. Desta forma, fazendo seu o presumido pensamento de Maquiavel de que o fim justifica os meios, era legítimo qualquer tipo de actuação contundente e rápida que impedisse os inimigos da jovem república de levarem a cabo qualquer iniciativa contra ela. Esta actuação, que foi chamada de “o Terror”, não era mais do que a aplicação imediata da justiça republicana com o objectivo de neutralizar os inimigos. A verdade é que, quando Robespierre pôs em marcha a máquina repressora, a república enfrentava os legitimistas franceses, os expatriados em Inglaterra ou nos reinos alemães, e conflitos internos como a revolta camponesa de La Vendée. Assim, uma vez que o terror, na linguagem republicana jacobina, tinha como objectivo defender a virtude, o Comité de Salvação Pública tinha de agir com contundência e sem contemplações. Não contava que, na prática, os seus princípios viriam a exceder as suas expectativas e a mergulhar França num banho de sangue que acabaria com muitas das conquistas da Revolução. Na imagem, Mulheres a caminho de Paris em 5 de Outubro de 1789, ilustração anónima contemporânea (Biblioteca Nacional, Paris).
De facto, a proposta republicana de Maximilien Robespierre procurava impor o seu ideal de república democrática e virtuosa: “O terror, sem virtude, é desastroso. A virtude, sem terror, é impotente”, afi rmava. Desta forma, assumia os valores do Iluminismo e desenvolvia-os inclusive fazendo algumas concessões, como a aceitação do culto a um Ser Supremo, com o que conseguia agradar a uma parte da população, em oposição aos sectores mais decididamente anti-religiosos. Também na sua ânsia de fortalecer a república, promoveu o centralismo e estipulou que o francês seria a única língua utilizada no ensino, colocando em sério perigo a sobrevivência das línguas românicas do Sul, o fiamengo no Norte, o alemão no Oeste, o bretão e o basco. Assim, Robespierre foi-se dotando de uma cada vez maior autoridade. Não comparecia às sessões formais do Comité de Salvação Pública e tomava decisões importantes sem ouvir os seus colaboradores, começando a espalhar entre eles o alarme e o medo de virem a acabar como Danton ou Hébert. Em Junho de 1794, foi introduzida a lei de Pradial, que privava os acusados de serem contra a revolução dos direitos de defesa e de recurso. Com esta lei, iniciou-se a etapa conhecida como o Grande Terror. Convencidos de que com a república consolidada não seriam necessárias mais leis tão rígidas, nem sequer a presença de Robespierre à frente do Comité de Salvação Pública, os seus correligionários começaram a forjar um golpe de Estado, no qual participaram também girondinos não assumidos, jacobinos ansiosos por vingar as mortes de Danton e Hébert e inclusive outras figuras, mais ou menos proeminentes, que temiam ser acusadas de contra-revolucionárias e acabar na guilhotina.
Os últimos dias
No dia 26 de Julho de 1794, Robespierre anunciou que iria denunciar perante a Convenção novos traidores da revolução. Um dia depois, Louis de Saint-Just, um dos seus colaboradores mais próximos, propunha explicar ao Comité as medidas que Robespierre ponderava tanto, os deputados, receosos de que fosse uma nova operação de depuração nas fi leiras jacobinas, impediram-no de concluir a sua intervenção. Horas depois, acusado de ditador, Robespierre foi preso, juntamente com Louis de Saint-Just e Georges Couthon. Num gesto de solidariedade para com os presos, Agustin, irmão de Robespierre, acompanhado de Philippe Le Bas, membro do Comité Geral de Segurança, pediram para os acompanhar até à prisão na Câmara de Paris.
A GUILHOTINA. Em 1791, o deputado Louis-Michel Lepeletier de Saint-Fargeau propôs a abolição da pena de morte. A ironia do destino quis que Robespierre, um dos apenas dez deputados que votaram a favor desta revogação, acabasse condenado à morte e executado na guilhotina, um dos instrumentos nascidos com a Revolução, em 1789.
No dia seguinte, partidários dos encarcerados invadiram a prisão e, depois de um tiroteio durante o qual o próprio líder acabou por sair ferido por um disparo no rosto, Robespierre caiu
nas mãos dos seus inimigos. Horas mais tarde, no dia 28 Julho de 1794, Robespierre foi guilhotinado com mais vinte e um colaboradores seus.
Os seus corpos foram enterrados numa vala comum, no cemitério de Errancis, sobre a qual se verteu cal viva, a fim de apagar a sua memória e a do trágico período a que tinham presidido.
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