domingo, 12 de setembro de 2021

Baudelaire-Tirso.

 XXXII – O TIRSO

A Franz Liszt (34)

Que é um tirso? No sentido moral e poético, é um símbolo com que os sacerdotes e sacerdotisas celebram a divindade da qual são os intérpretes e os servidores. Mas, fisicamente, é apenas um pau, um simples pau, uma estaca de lúpulo, ou um esteio de vinha, seco, duro e direito. Em volta desse pau, em meandros caprichosos, divertem-se e brincam hastes e flores, umas sinuosas e fugidias, outras pendendo como sinos ou taças derrubadas. Uma glória fantástica jorra dessa complexidade de linhas e de cores, pálidas ou brilhantes. Dir-se-ia que a linha curva e a espiral fazem a corte à linha reta e dançam ao redor de uma silenciosa adoração. Dir-se-ia que todas essas corolas delicadas, todos esses cálices, explosões de aromas e de cores, executam um místico fandango em torno do bastão hierático. Todavia, que imprudente mortal ousará decidir se as flores e os pâmpanos foram feitos para o bastão, ou se o bastão é apenas o pretexto para mostrar a beleza dos pâmpanos e das flores? O tirso é a representação da vossa maravilhosa dualidade, senhor poderoso e venerado, caro Bacante (35) da Beleza misteriosa e apaixonada. Ninfa alguma, exasperada pelo invencível Baco, sacudiu o tirso sobre as cabeças das companheiras, enlouquecidas com a energia e o capricho com que agitais o vosso gênio sobre os corações dos vossos irmãos. O bastão é a vossa vontade, reta, firme e inabalável. As flores, o passeio de vossa fantasia em torno de vossa vontade. É o elemento feminino executando em volta do macho as suas prestigiosas piruetas. Linha reta e linha arabesca, intenção e expressão, tensão da vontade, sinuosidade do verbo, unidade do fim, variedade dos meios, amálgama todo-poderoso e indivisível do gênio: que analista terá a detestável coragem de vos dividir e separar? Caro Liszt, através das brumas, para além dos rios, acima das cidades onde os pianos cantam a vossa glória, onde a imprensa traduz a vossa sabedoria, em qualquer parte que vos encontreis, nos esplendores da cidade eterna ou nas brumas dos países sonhadores que Cambrinus consola, improvisando canções alegres ou de inefável dor, ou confiando ao papel vossas meditações abstrusas, cantor da Volúpia e da Angústia eternas, filósofo, poeta e artista, eu vos saúdo na imortalidade!

Charles Baudelaire, Pequenos poemas em prosa | O spleen de Paris. [tradução Paulo M. Oliveira (pseudônimo de Aristides Lobo)]. Coleção Biblioteca Clássica. Rio de Janeiro: Athena Editora, 1937.

(35) As bacantes eram sacerdotisas que celebravam os mistérios do culto de Baco. Corriam ao acaso, desgrenhadas, coroadas de hera e de ramos de vinha, com o tirso em punho, dançando e soltando gritos discordantes. Essas festas, denominadas bacanais, eram antigamente celebradas no Egito e na Grécia e foram depois introduzidas em Roma, onde originaram desordens e escândalos, a que o senado teve que pôr cobro (186 a.c.).

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