terça-feira, 28 de setembro de 2021

Roma e a morte.

 

Como os romanos se relacionavam com a morte?

Do blog "Roma Antiga"

«Os assuntos relativos à morte e ao enterramento dos defuntos ocuparam sempre, entre os romanos, um lugar importante. As suas preocupações com os falecidos eram notórias, sobretudo no cuidado demonstrado com o tipo de monumento e com o epitáfio que lhes perpetuava a memória.

A morte inquietou sempre o Homem, desde tempos recuados, e também os romanos manifestaram o mesmo sentimento perante ela. O estudo e a análise destes textos funerários constituem uma fonte imprescindível para a compreensão das mentalidades e atitudes dos romanos perante a morte. Eles consideravam-na algo de terrível, por ser a única certeza humana. Tal é possível observar na expressão patenteada no epitáfio do túmulo de Valério Avito, encontrado em Conimbriga (Fouilles, II: 71) que diz: «mors omnibus in stat» - “a ameaça da morte paira sobre todos nós”.

(Sarcófago)

Não era só a morte que pairava sobre os defuntos, mas também a terra podia ser uma carga demasiado insuportável. Por isso, as lápides sepulcrais ostentavam geralmente um dito final: «Hic situs est. Sit tibi terra levis» - “Aqui jaz. Que a terra te seja leve”.

Era também próprio entre os romanos, colocar saudações escritas nos epitáfios. Os defuntos saudavam os vivos e insistiam, desta forma, em partilhar o seu mundo. Não sabemos qual o significado implícito nestas saudações, talvez a reverência pela morte ou então uma forma de apaziguar aos vivos o terror pelos mortos.

O que é certo é que expressões como avesalve vale, empregues na linguagem oral, eram também gravadas nas saudações escritas dos túmulos, como por exemplo «ave et vale» - “Adeus e passa bem”.

Por vezes estas saudações vão-se tornando mais complexas, procurando especificar agora que se cumprimenta quem continua vivo: «valete superi» (inscrição de Cádiz). Algumas são mais incisivas e saúdam mesmo aqueles que leram o epitáfio: «lege et vale» "Lê e Passa bem!" (inscrição do distrito de Castelo Branco), ou «venisti ave legisti vale» “Olá. Chegaste e leste. Passa bem!” (inscrição de Ourém), ou até «tu qui legis ave, perlegisti vale» “Adeus leitor. Por teres lido por inteiro, passa bem!” (inscrição de Idanha-a-Velha).

Também se encontram missivas dedicadas àqueles que deram atenção ao monumento funerário e pararam alguns minutos para o olhar: «salve hoc monumentum visitum venis vale» "Adeus a quem veio visitar este monumento. Saúde lhe seja dada!» (inscrição de Cartagena) ou «bene sit tibi viator qui me non praeteristi» "Fica bem, tu viajante que não me esqueceste!» (inscrição de Tarragona).
Verificamos que há um pedido constante ao transeunte para que leia o epitáfio do defunto, saudando este, aquele que o faz ou dando até um resposta à saudação que lhe dirija qualquer transeunte: «
avete vos viatores et bene valete» "Passai bem, vós viajantes e saúde!" (inscrição de Cáceres, onde se supõe que o monumento estaria situada junto à estrada).

(Monumentos funerários na Via Ápia)

É também nestes monumentos funerários que se patenteava a última homenagem aos defuntos, onde se demonstrava a ternura e o carinho da perda desse ente querido, por parte dos sobreviventes. Temos o caso de Nebullo, que dedica à sua companheira Marta: «Flevi, Martha, tuos extremo tempore casus ossaque composui. Pignus amoris habes» (“Chorei, Marta, o doloroso fim dos teus dias e enterrei os teus ossos. Aceita esta prova do meu amor”). Quanta emoção não provoca esta mensagem ao seu leitor, mesmo dois mil anos depois de ter sido gravada numa lápide. São expressões como esta, transportando grande carga sentimental, que nos trazem uma quantidade de informações sobre as vivências e as atitudes dos romanos e que valem muito mais que outros objectos arqueológicos frios e despidos de calor humano.

Fontes:

ENCARNAÇÃO, José d’ (1997), Introdução ao estudo da epigrafia latina, 3.ª ed., Coimbra.
FERREIRA, Ana Paula (1996), «Saudações do Além entre os romanos», 
Conimbriga, 35, Universidade de Coimbra, p. 107-127. a, p. 107-127.»

Texto de Fabiano, 19 de março de 2004, no Blogue “Roma Antiga”

Imagens: PINTEREST


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