Poema sujo (trecho)
turvo turvo
a turva
mão do sopro
contra o muro
escuro
menos menos
menos que escuro
menos que mole e duro
menos que fosso e muro:
menos que furo
escuro
mais que escuro:
claro
como água? como pluma?
claro mais que claro claro:
coisa alguma
e tudo
(ou quase)
um bicho
que o universo fabrica
e vem sonhando
desde as entranhas
azul
era o gato
azul
era o galo
azul
o cavalo
azul
teu cu
tua gengiva
igual a tua bocetinha
que parecia sorrir entre
as folhas de banana
entre os cheiros de flor
e bosta de porco aberta como
uma boca do corpo
(não como a tua boca de palavras)
como uma
entrada para
eu não sabia tu
não sabias
fazer girar a vida
com seu montão
de estrelas e oceano
entrando-nos em ti
bela bela
mais que bela
mas como era o nome dela?
Não era Helena nem Vera
nem Nara nem Gabriela
nem Tereza nem Maria
Seu nome seu nome era…
Perdeu-se na carne fria
perdeu na confusão
de tanta noite e tanto dia
Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.
Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.
Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.
Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.
Traduzir uma parte
na outra parte
— que é uma questão
de vida ou morte —
será arte?
Entre lojas de flores
e de sapatos, bares,
mercados, butiques,
viajo num ônibus
Estrada de Ferro-Leblon.
Volto do trabalho,
a noite em meio,
fatigado de mentiras.
O ônibus sacoleja.
Adeus, Rimbaud,
relógio de lilases,
concretismo,
neoconcretismo,
ficções da juventude,
adeus, que a vida
eu compro à vista
aos donos do mundo.
Ao peso dos impostos,
o verso sufoca,
a poesia agora
responde a inquérito
policial-militar.
Digo adeus à ilusão
mas não ao mundo.
Mas não à vida,
meu reduto e meu reino.
Do salário injusto,
da punição injusta,
da humilhação,
da tortura, do horror,
retiramos algo e com ele
construímos um artefato
um poema
uma bandeira
Meu povo
e meu poema crescem juntos
como cresce no fruto
a árvore nova
No povo meu poema
vai nascendo
como no canavial
nasce verde o açúcar
No povo meu poema
está maduro
como o sol
na garganta do futuro
Meu povo em meu poema
se reflete
como a espiga
se funde em terra fértil
Ao povo seu poema aqui
devolvo
menos como quem canta
do que planta
Quando você for se embora,
moça branca como a neve,
me leve.
Se acaso você não possa
me carregar pela mão,
menina branca de neve,
me leve no coração.
Se no coração não possa
por acaso me levar,
moça de sonho e de neve,
me leve no seu lembrar.
E se aí também não possa
por tanta coisa que leve
já viva em seu pensamento,
menina branca de neve,
me leve no esquecimento.
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