sábado, 9 de março de 2019

O Barco Ébrio.

Como eu descia pelos rios impassíveis,
senti-me libertar de meus rebocadores.
Tomaram-nos por alvo índios irascíveis
e pregaram-nos nus aos postes multicores.

Ja não me preocupava a carga que eu trazia,
fosse o trigo flamenco ou o algodão inglês.
Quando dos homens acabou a gritaria,
pelos rios voguei,liberto de uma vez.

Ante o irado ranger das mares, me lancei,
mais surdo que infantis cabeças,no outro inverno,
fugindo! E para trás penínsulas deixei
que jamais viram tão glorioso desgoverno.

A procela abençoou meu despertar marinho,
dancei como cortiça entre vagas e atóis,
que fazem vitimas no eterno redemoinho,
dez noites sem pensar no olho vão dos faróis.

Doce como a maça na boca de um menino,
meu lenho se encharcou do verde turbilhão,
que um caos de vomito e de vinho purpurino
lavou,e destroçou meu leme e meu arpão.

E mergulhei então no Poema do mar,
todo de astros mesclado,e leitoso,a beber
Os azuis verdes onde,a flutuar e a sonhar
um absorto afogado as vezes  vai descer,

Onde a tingir de um golpe o azul,a luz safira
dos dias,ritmos arrastados e delírios,
mais fortes que a embriaguez e mais vastos que a lira,
fermentarão do amor os amargos martírios.

Sei os céus a estalar de clarões,sei as trombas,
Correntes e monções : e sei o anoitecer,
a exultante manha qual um povo de pombas,
e vi por vezes,o que o homem julgou ver.

Vi o Sol-por manchado a misticos horrores,
iluminando longas urnas arroxeadas,
como dos mais antigo drama os atores,
as ondas a rolar,a distancia,encrespadas.

Sonhei a noite verde entre neves radiosas
dar ao mar dos olhos mil beijos hesitantes;
vi a circulação de seivas misteriosas
e o áureo-azul despertar dos fósforos cantantes.

Longos meses segui,tal como vacarias
histéricas,o ardor das ondas contra a areia,
sem suspeitar que os pés brilhantes das Marias
pudesse apaziguar o Oceano que se alteia.

Atingi,sabei vos,floridas escondidas,
os olhos da pantera junto as floradas,
com pele humana.E tenso o arco-iris,como bridas
no horizonte do mar,quais alegres manadas.

Vi fomentar pântanos enormes e lameiros,
onde apodrece um leviatã entre os juncais,
e entre bonanças desabafar furiosos aguaceiros´
despencando o longínquo em desfiladeiros abismais!

Gelos,argênteos sois,ondas,céus abrasantes,
Encalhes colossais nos mais fundos negrumes,
onde o piolho come as serpentes gigantes
que tombam da galhada entre negros perfumes.

Desejara mostrar as crianças as douradas
da onda azul,peixes de ouro,cantantes,
Espuma em flor ninou minhas jornadas
inefável vento alou-me por instantes.

Das zonas e do polo ,mártir exausto,
o mar,cujo soluço,as fugas me adoçava
dava-me flores de ouro ,de sombrio fausto
e eu,de joelhos,descansava.

Quase ilha,a balançar,gritando minhas bordas,
rixas e estrumes de aves de olhos afogueados,
eu ia, enquanto pela minhas tênues cordas
desciam,recuando ao sono os afogados.

Eu,barco naufragado entre marinhas tranças
pelos tufões aos ermos do éter arrojado,
cujo casco ébrio de água os veleiros das Hansas
e os monitores não teriam resgatado;

livre, a fumar,envolto em brumas violetas
que perfurava o céu vermelho como um muro,
que traz confeitos deliciosos aos  bons poetas
líquens do sol e saliva do azul-escuro.

prancha louca a correr entre uma escolta preta
de hipocampos,rajada a estrias resplendentes,
quando julho esboroava a golpes de marreta,
do céu ultramarino os funis comburentes;

eu,que tremia ouvindo a distante agonia,
do cio dos hipopótamos e turbilhões de água,
eterno tecelão da azul monotonia,
lamento a Europa doa antigos parapeitos.

Arquipélagos vi do firmamento.E as ilhas
onde em delírio os céus se abem ao viajor,
e´nessas noites que dormes e te exilas ?
milhão de aves de ouro,futuro vigor?

Mas não!Chorei demais.Magoaram-me as auroras
Todo sol e´dolente e amargo todo luar
o acre amor me fartou de torpores,demoras
Que meu casco estale!Que eu me lance ao mar!

Se desejo da Europa uma água,e´a poça estreita,
negra e fria,onde a luz de uma tarde violeta,
um menino agachado,entre tristezas,deita
seu barquinho,a oscilar como uma borboleta.

Imerso em languidez,não posso transcender
o rastro,vagas dos que levam algodões,
nem dos pendões o orgulho e das velas vencer,
nem já nadar sob o olho horrível dos pontões.

Rimbaud.











































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