sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

Maria Egipcíaca.

Sou rio,serpente,
corro para onde quero,sozinha,
para longe corro
Sou perfume de óleo fervente,
ervas,flor,semente
em viva brasa.
Do meu fogo morro
Não ha´fogo de sol nascente,
não ha´fogo de sol ardente
que se compare a´labareda minha.
Olha os meus braços que seguem
na minha frente,
finas cordas de seda muito seguras,
olha o meu vasto cabelo sombrio,
que e´uma vela redonda de noite e de vento
olha o meu corpo como um navio
cortando as horas escuras
e a louca espuma fosforescente...
olha na minha boca o mel das tamareiras...

Voz mistica.
Cala-te Maria.faze da tua beleza
uma estrela acesa,
enquanto esperas
a luz do dia...

Maria Egipcíaca.
Minhas pernas são altas ,leves e ligeiras
são minhas pálpebras tendas franjadas
e a sombra das caravanas se deita nas minhas olheiras.
Ha´nos meus olhos verdes luas levantadas
que escutam passar sedentas feras.

Voz mistica.
Que vens fazer em Alexandria,
Maria do Egito ?

Maria Egipcíaca.
Olha como estremeço e palpito!
Vi meu rosto na prata brilhante:
minha curva narina nervosa
e´uma concha de seda,e´uma rosa...
Minhas mãos são dois ramos de lírios fechados ,
minha voz vem de um mundo de purpura e açucena,
de aljofres e corais molhados.

Como posso cantar para a eternidade
se minha vida e´só´
para breves instantes?

Trecho de "Oratório de Santa Maria Egipcíaca¨,1957.
Cecilia Meireles.(1901-1964).

A lenda Católica que deu origem ao poema diz respeito
a uma prostituta de Alexandria que,no seculo III DC,embarca num navio rumo a Terra Santa e la´se converte ao Cristianismo.Para purgar seus pecados,Maria Egipcíaca vai viver no deserto,onde 47 anos depois,o abade Zózimo a  encontra e presencia seu dom de caminhar sobre as águas do Jordão.

Cecilia,o misticismo,e a dialética entre o eterno e o fugaz.Dilema comum a ambas.

Obs. Outros autores visitaram o tema:
"Balada de santa Maria Egipcíaca",de Manuel Bandeira;
"A beata Maria do Egito.",de Raquel de Queiroz.




Nenhum comentário:

Postar um comentário