sábado, 23 de julho de 2016

O CORVO.

                             .  O CORVO. De Edgar Allan Poe.
                               Tradução de Fernando Pessoa.

                       “O Rouxinol esta calado, ouço só o som dos corvos”.     
                                  Proverbio Chinês.   
                                                                  

Numa meia noite agreste, quando eu lia, lento e triste,
Vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais,
E já quase adormecia, ouvi o que parecia
O som de alguém que batia levemente a meus umbrais,
“Uma visita”, eu me disse “esta batendo a meus umbrais”. ’’
“E ‘só isto, e nada mais.”

Ah! Que bem disso me lembro! Era no frio Dezembro,
E o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais.
Como eu queria a madrugada, toda noite aos livros dada
Para esquecer ( em vão!) a amada, hoje dentro das hostes celestiais-
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais,
Mas sem nome aqui jamais!

Como, a tremer frio e frouxo, cada reposteiro roxo
Incutia-me, urdia estranhos terrores nunca antes tais!
Mas, a mim mesmo infundindo força ,eu ia repetindo,
“E´uma visita pedindo entrada aqui em meus umbrais;
Uma visita tardia pede entrada em meus umbrais.
E ‘só isto, e nada mais !

E ,mais forte num instante, já´ nem tardo ou hesitante,
“ Senhor” eu disse,” ou Senhora ,decerto me desculpais;
Mas eu ia adormecendo ,quando viestes batendo,
Tão  levemente batendo, batendo por meus umbrais,
“Que mal ouvi...” E abri largos, franqueando-os meus umbrais.
Noite, noite e nada mais.

A treva enorme fitando, fiquei perdido receando,
Dúbio e tais sonhos sonhando que os  ninguém sonhou iguais
Mas a noite era infinita, a paz profunda e maldita,
E a única palavra dita foi um nome cheio de ais-
Eu o disse, o nome DELA, e o eco disseram nos meus ais,
Isso só e nada mais.

Para dentro então volvendo, toda a alma em mim ardendo,
Não tardou que ouvisse novo som batendo mais e mais.
““Por certo”, disse eu,” aquela bulha e ‘na minha janela.
Vamos  ver o que esta nela ,e o que são estes sinais.”
“ E ‘o vento ,e nada mais.”.

Abri então a vidraça, e eis que, com muita negaça,
Entrou grave e nobre um corvo dos bons tempos ancestrais.
Não fez nenhum cumprimento, não parou nem um momento,
Mas com ar solene e lento pousou sobre os meus umbrais,
Foi, pousou, e nada mais.

E esta ave estranha e escura fez sorrir minha amargura
Com o solene decoro de seus ares rituais.
“Tens o aspecto tosquiado”, disse eu, “Mas de nobre e ousado,
Ò velho corvo emigrado das trevas  infernais!
Diz-me qual o teu nome lá nas trevas infernais!”
Disse o Corvo: “ Nunca Mais.”

Pasmei de ouvir este raro pássaro falar tão claro,
Inda que pouco sentido tivessem palavras tais.
Mas deve ser concedido que ninguém terá havido
Que uma ave tenha tido pousada em seus umbrais,
Ave ou bicho sobre o busto que há ‘por seus umbrais,
Com o nome “Nunca Mais”

Mas o Corvo, sobre o busto, nada me dissera, augusto,
Que essa frase, qual se nela a alma lhe ficasse em ais.
Nem mais voz, nem movimento fez, e eu, em meu pensamento
Perdido, murmurei, lento, ”Amigo, sonhos-mortais todos-
Todos já se foram. Amanhã também te vais.”
Disse o Corvo: ”Nunca mais.”

A alma súbito movida por frase tão bem cabida,
“Por certo” ,disse eu,” são essas vozes usuais ,
Aprendeu-as de algum dono ,que a desgraça e o abandono
Seguiram ate ‘que o entono da alma se quebrou em ais,
“E o bordão de desesperança de seu canto cheio de ais.”
 “Era esse:”  Nunca Mais”.

Mas fazendo inda a ave escura sorrir a minha amargura,
Sentei-me defronte dela, do alvo busto e meus umbrais;
E, enterrado na cadeira,  pensei de muita maneira
Que queria essa ave agoureia  dos maus tempos ancestrais,
Esta ave negra e agoureira dos maus tempos ancestrais,
Com aquele: “ Nunca mais.”

Comigo isso discorrendo, mas nem sílaba dizendo
À ave que na minha alma cravava os olhos fatais,
Isto e mais ia cismando, a cabeça reclinando
No veludo onde a luz punha vagas sobras desiguais,
Naquele veludo onde ELA ,entre as sobras desiguais,
Reclinar-se-á  nunca Mais !

Fez-se então o ar mais denso, como cheio dum incenso
Que anjos dessem cujos leves passos soam musicais.
“ Maldito !”, a mim disse,” deu-te Deus, por anjos concedeu-te
O esquecimento; valeu-te. Toma-o, esquece, com teus ais,
O nome da que não esqueces,  e que faz esses teus ais.”
Disse o Corvo: “ Nunca Mais !.”

“Profeta”!”, disse eu,” profeta ou demônio ou ave preta
Fosse diabo ou tempestade quem te trouxe a meus umbrais,
A este luto e este degredo, a esta noite e este segredo,
A esta casa de ânsia e medo, dize a esta alma a quem atrais
Se há ‘um bálsamo longínquo para esta alma a quem atrais ¹
Disse o Corvo: ”Nunca Mais.”.



“Profeta!, disse eu,” profeta-ou demônio ou ave preta!
Pelo Deus ante quem ambos somos fracos e mortais.
Dize a esta alma entristecida se no Éden de outra vida
Vera ‘essa hoje perdida entre hostes celestiais,
Essa cujo nome sabe as hostes celestiais.”
Disse o Corvo:” Nunca mais !”

“ Que esse grito nos aparte ,ave ou diabo!”,eu disse.” Parte!
Torna a ‘noite e a ‘tempestade! Torna ás trevas infernais!
Não deixes pena que ateste a mentira que disseste!
Minha solidão me reste! Tira-te dos meus umbrais!
Tira o vulto de meu peito e a sombra de meus umbrais!
Disse o Corvo: “ Nunca Mais!”

E o Corvo, na noite infinda, esta ainda, esta ainda,
No alvo busto de Atena que há ‘por sobre meus umbrais.
Seu olhar tem a medonha cor de um demônio que sonha,
E a luz lança lhe a tristonha sombra no chão ha ‘mais e mais,
Libertar-se-á... Nunca Mais!


         
Comentário. POE tece um poema Dark, mórbido e gótico*.Em um fria noite de dezembro, enquanto lia textos ocultistas, quase dormindo, ele ouve um ruído ,uma leve batida em sua porta. Mas, não era ninguém... As leituras eram um bálsamo para cicatrizar a perda da amada, falecida recentemente; LENORA. Mesmo tomado pelo medo, vai ate a porta e depara-se com a escuridão da noite.
Nova batida ate que ao abrir a janela; um corvo*passa pela porta e pousa sobre o busto de Atena\Minerva*. Ao longo do poema, o animal agourento parece dizer: ”Nunca Mais”; como que a lembrar ao poeta a inevitabilidade histórica da morte. O conflito interno do poeta e ‘refletido na figura macabra do corvo. Ao passo que o animal lembra o tempo todo, a tristeza e a saudade de alguém que não se terá mais. “O som repetido pelo corvo- em Inglês:” Never More “- angustia o já atormentado homem; lembrando, simbolicamente, os sinos das igrejas que dobravam por finados, conforme costume vindo da Europa Medieval Cristã”. E ainda vigente em muitas cidades do interior das Gerais. O homem aterrorizado, o corvo humanizado, o amor perdido, a presença da morte-tema caro aos Românticos-, a angustia; enfim, uma cena ao sabor do período; amor e morte, andando próximas.

Obs. Gótico. A literatura Gótica tem seu inicio com Walpole, sec.XVIII, e tem como características:
Cenários Medievais: Castelos, Ruinas, Florestas;
Personagens Melodramáticos:
Donzelas, vilões, cavaleiros;
Temas\símbolos recorrentes: Profecia e maldiçoes, segredos, manuscritos.
.Corvo. Corvus Corax. Na mitologia, são vistos como portadores de maus presságios e hábitos necrófagos.
.Atena\Minerva. Deusa Greco-romana da sabedoria.

Referencia:
Autor : Marco Antônio E. Da Costa.
































domingo, 3 de julho de 2016

MARCIAL.

                                                  MARCIAL.

                                                         “Panem ET Circenses.”
                                                         Decimus Iunius Juvenalis, poeta Romano. (55-127 AD.).


.De Spetaculis XXIX. Marcial.

Enquanto Prisco e Vero alongavam o confronto
E por longo tempo a luta foi igual de ambos os lados
Altos e repetidos gritos reclamavam a liberdade para os homens,
Mas Cesar seguiu sua própria lei,
Era a lei de lutar com o escudo ate que um dedo se levantasse;
Fez o que lhe era permitido, muitas vezes deu comida e presentes
Mas chegou-se  ao final com a mesma igualdade:
Iguais a lutar, iguais a ceder.
Cesar enviou espadas de madeira e palmas a ambos
Portanto, a coragem e o talento receberam o seu premio.
Isto não aconteceu perante nenhum Príncipe, salvo tu, Cesar
Quando dois lutaram, ambos saíram vitoriosos.

Comentário. O poeta se refere aqui a um combate singular entre 2 gladiadores, na inauguração do Anfiteatro Flaviano (Coliseu),em 80 AD, sob Vespasianus. Dado o equilíbrio entre os contendores, e a satisfação do publico com o embate, o imperador, resolveu libertar a ambos .Oferecendo-lhes  uma espada de madeira-Rudius-símbolo de alforria. E´o único registro de um empate nos relatos travados nas arenas.A coragem e a bravura eram qualidades apreciadas pelos Romanos. Marcial lá estava e legou-nos o fato.

Marcus Valerius Martialis.(38-102 AD).
Nascido na Espanha, foi jovem para ROMA, frequentou o circulo de Juvenal, Plinio e Quintiliano .Ao que tudo indica teve Sêneca como mentor. Recebeu influencias de Catulo e Juvenal. Criou Poesias satíricas e obscenas, sendo chamado “boca de Roma”, por ser ferino. Influenciou: Wilde, Blake, Quevedo, Bocage e Gregório  de Mattos.



Autor :Marco Antônio E. Da Costa.