segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

MAGENTA.


                 

            “Não è a prata que se envia à Espanha,
                É o sangue e suor dos Índios.”     
      Frei Domingo De Santo Tomás, Dominicano, Sec.XVI.

A Bolívia já não era colônia Espanhola desde 1825, no entanto, a exploração da  PRATA continuava , por empresas europeias e Mão-de-obra indígena.

A mineração era acentuada na região andina, sobretudo, em Potosi ( em língua local: desabrochar), sendo os índios Aymara ,locais,auxiliados pelos Quechua,do Peru.Estas etnias mineravam ,incansavelmente para fazer valer o ditado Espanhol : “Valer Um Potosi”,isto é: “Valer uma fortuna”.

NO inicio da colonização,os índios ,escravizados pelos Castelhanos, arrancavam das entranhas das montanhas o rico mineral, em troca da vida.Fome,frio,pneumonia,acidentes e torturas deram fim a gerações  de indígenas, que contavam ,eventualmente, com o beneplácito de alguns servos da igreja.

Agora,em pleno Sec. XiX, 1860, os mineiros eram remunerados,muito mal , é verdade, e gastavam seus parcos recursos nos empórios dos europeus que se estabeleceram no em torno do povoado minerador.Os Comerciantes,em maioria,espanhóis,nutriam  verdadeiro asco pelos trabalhadores; a quem consideravam sujos,ignorantes e pagãos.

No entanto, um novo filão de Prata foi encontrado, comoção geral! A noticia se espalhou como a peste...
Em polvorosa, os comerciantes, começaram a se mudar para o povoado,para melhor oferecer os seus produtos aos ex-fedorentos,eram, afinal criaturas de Deus e possuíam almas,alem, é claro,  das riquezas que adviriam das extrações.Para estimular a produção ,as mineradoras europeias ofereceram um percentual –mínimo aos que conseguissem mais prata.

No  intuito de obter mais lucros, os mercadores passaram a oferecer novos produtos : Tecidos finos,bijuterias de além-mar,itens de armazém,especiarias...Tudo ,  anotado na conta, pois os indígenas não dispunham de dinheiro, porem,´”La Plata” descoberta e a possibilidade de altos lucros ,contornaram esta situação.

O anterior  olhar altivo dos mascates deu lugar a uma convivência quase humana com os nativos. Quase humildes ,ofereciam suas quitandas ...

Uma senhora em particular,recebeu muito bem um casal de comerciantes -dada a concorrência,muitos passaram a visitar seus clientes- Ela era europeia e havia se casado com um nativo, para espanto geral.Mas isto,não importava agora,afinal negócios são negócios.

Enquanto os homens conversavam na sala e bebiam um licor-trazido pelo comerciante,nada daquela cerveja fedida que parecia urina de cavalo- as damas ,retiradas ,trocavam confidencias. Elas já se comunicavam , a senhora comerciante trocava seus Paes e broas por saborosos POEMAS.  A poetisa se auto- intitulava “A holandesa” e esta relação já durava algum tempo.  Trigo por Literatura, o marido da poetisa era semianalfabeto,já  o marido da comerciante não percebia ou não ligava. Caprichos de mulher e havia sempre demanda.

Subitamente os trabalhadores adquiriram um encanto fascinante para os refinados mercadores,que paparicavam seus estimados”Clientes” (agora eram chamados assim);não poupavam elogios aos incansáveis esforços nas minas ,ao valor deste nobre trabalho,o que era visto antes como “braçal e primitivo”. Novas ofertas ,vindas de Londres ,Madrid,Paris e Amsterdã.Tudo anotado,sem preocupações.Todos deram garantias.

O Ceticismo e desconfiança iniciais dos nativos-séculos de exploração e aviltamento- foi cedendo lugar a uma autoimagem diferente. Deviam ser cavalheiros também...

A sedução é arma poderosa e aos poucos ,até os mais rudes e desconfiados mineradores foram cedendo as “maravilhas”-por um bom preço;do mercado.

Dom Curro, proeminente comerciante , teve uma ideia brilhante.

-“São trabalhadores honestos ,bons consumidores,merecem alguma diversão.

Por que não trazermos o bordel ambulante da madame Dupret,que esta em cochabamba,afinal há  muitos homens solteiros e muitos casados e infelizes ( a maioria);mediante uma pequena comissão ,podemos restaurar o bar ( antiga estrebaria)e implementar os negócios.Com certeza ela tem muitas “meninas” para diversão de todos...´´

Dito e feito. A trupe de diversões dionisíacas ,chegou ao local,em meio a euforia generalizada.Apesar do protesto solitário do único pároco local e dos resmungos das  vetustas senhoras de bem. O escândalo foi maior , quando se soube que Dom Blasco,serio comerciante e pai de família ,deixou o lar e passou a residir na “Cantina”,como a chamavam,mortalmente atraído pelos olhos azuis e sotaque Frances de Gigi.
As noites , nunca mais foram as mesmas,mulheres ,bebida e musica regavam as madrugadas como se sabe os predadores caçam melhor à noite de modo, que quando escurecia o vilarejo acendia como um lampião na mata e o “bar” recebia os sedentos e calorosos visitantes,mas,no dia seguinte, o trabalho nas minas era retomado religiosamente.Tudo dependia disto.Esta rotina durou alguns meses,a promessa era de mais prata.
Um funcionário  ambicioso, comunicou a  matriz de uma mineradora  em Madrid, que ,de imediato enviou um Expert para avaliar a descoberta. O perito chegou,daí  a alguns dias, cercado por curiosidade e exaltação.  Mr.Thomas Marshall, da Grã-Bretanha,que começava a dar os primeiros passos na direção da Revolução Industrial.  Geólogo experiente, procedeu de imediato às avaliações ,sem sequer repousar .”Time is Money” ,dizia.
Após minuciosos exames,sentenciou :- “Isto é Ouro de tolos.”

A multidão –trabalhadores ,comerciantes e famílias inteiras ouviam.

Atônitos,se entreolhavam em silencio.

-“Isto é como Magenta.”

O populacho inerte...

“Magenta é uma cor-pigmento;mistura de azul com vermelho , não é a cor rosa, embora se assemelhe a ela.O nome vem de uma região da Itália,onde ano passado foi travada uma batalha.O que temos aqui é borra de prata , ou seja ,uma porção ínfima de prata com muitos resíduos de minerais menores,sem valor comercial...”

Dom Pepe,Histerico ,interrompeu : “Não é Prata!Estamos falidos.”

O Caos se instalou, a marafona e suas “meninas” ,saíram rapidamente da cidade ,deixando roupas e corações partidos, Dom Curro, o especulador, atirou contra a própria cabeça , mas a pistola-nunca usada- falhou,seguiu então para LA CANTINA e se atirou do segundo piso, conseguindo quebrar o pescoço. O pároco tentou acalmar os ânimos, mas foi surrado impiedosamente pelos comerciantes;afinal não era ele que garantia que esta gentalha tinha alma,esses índios sujos ,responsáveis pela bancarrota.
Muitos nativos se atracaram com comerciantes e alguns até mesmo, com outros nativos.
As mulheres rasgavam as próprias vestes e gritavam com os maridos.

“Canalhas irresponsáveis”,gritavam umas.

“Gostam é de putas,isto sim",lamentavam outras.

Dom Blasco tentou se reconciliar com a esposa ,mas esta resolveu fugir com um índio...
Em meio aos tumultos, Alonzo,um índio batizado,tomou a palavra e exortou seus conterrâneos a deixar aquele lugar maldito ,que sempre trouxera miséria aos seus. Tanto Bolivianos ,quanto Peruanos se foram , em busca de outras oportunidades.

Trabalhadores são assim, nunca desistem,sabem que há bocas que precisam do suor deles.
Na confusão que acontecia, poucas pessoas mantiveram a calma. Estranhamente entre elas estavam as duas senhoras , a comerciante e a poetisa, que observavam –em silencio- o que ocorria.Sentadas na varanda da casa da escritora ,olhavam para as pessoas ensandecidas,um pôs fogo no próprio empório, outro vagava com as contas na mão dizendo que iria receber...

"Quebrando o silencio com um longo suspiro", a escritora  disse:

- Este lugar é maldito,vou embora com meu companheiro. Este lugar já foi sugado de tal modo que não resta sequer esperança . O sangue de milhares encharcou esta terra e agora, em resposta, a natureza nega suas riquezas ,mas os homens não aprendem e continuam sugando, até esgotar a si mesmos. Esta é uma maldição humana, a AMBIÇÃO desmedida ,não mudam nunca. É sempre assim...

O lugar foi abandonado, por muito tempo,a prata não tem o valor de antes, mas há pessoas lá,HOJE ;continuam cavando, em busca da PLATA,são nativos e não vivem de modo muito diferente de seus ancestrais.Muitos perdem a vida em acidentes, a luta pela sobrevivência continua,as condições de trabalho são precárias. Mas há uma novidade,quando perguntados para quem trabalham, os locais respondem:

-   “EL  TIO.”, ou seja “EL  DIABLO.”   

Autor : Marco Antonio E. Da Costa.

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